SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDA TESE SOBRE O DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA (DIFAL) NO SIMPLES NACIONAL

O Supremo Tribunal Federal concluiu, em maio de 2021, o julgamento do Tema 517, no qual se discutia a possibilidade de cobrança do diferencial de alíquota do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços nas compras interestaduais para revenda de contribuintes optantes do Simples Nacional.
Na ocasião foi fixada a seguinte tese: “É constitucional a imposição tributária de diferencial de alíquota do ICMS pelo Estado de destino na entrada de mercadoria em seu território devido por sociedade empresária aderente ao Simples Nacional, independentemente da posição desta na cadeia produtiva ou da possibilidade de compensação dos créditos.”.
A discussão foi travada no Recurso Extraordinário n. 970.821, representativo do Tema 517 da repercussão geral do STF, e gerou surpresa pelo resultado desfavorável aos contribuintes. É que havia a (justa) expectativa de um resultado favorável em função do quanto foi decidido nos Temas 1093 e 456, ambos também do STF.
No Tema 1093 discutia-se a constitucionalidade da exigência do DIFAL em operações interestaduais com remessa de mercadoria a consumidor final não contribuinte, cobrado pelo estado de destino do remetente, tendo o resultado sido favorável aos contribuintes para afastar a cobrança. Neste julgamento, questionava-se a necessidade de lei complementar regulamentando as normas gerais para a cobrança do imposto, em função da exigência contida no art. 146, incisos I e III, “a”, da Constituição Federal.
A tese fixada por ocasião do julgamento do Tema 1093, favorável aos contribuintes do regime geral, ficou assim redigida: “A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais.”.
Já no Tema 456, cujo resultado também foi favorável aos contribuintes, discutia-se acerca da possibilidade de o estado exigir, por meio de simples decreto, o recolhimento antecipado do ICMS na entrada da mercadoria em seu território. Aqui, a controvérsia girava em torno da necessidade de lei complementar para tratar da substituição tributária (quando se atribui a terceiro a responsabilidade pelo recolhimento do imposto) diante da determinação expressa do art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “b”, da Constituição Federal.
A conclusão foi pela inconstitucionalidade desta exigência, sendo fixada a seguinte tese: “A antecipação, sem substituição tributária, do pagamento do ICMS para momento anterior à ocorrência do fato gerador necessita de lei em sentido estrito. A substituição tributária progressiva do ICMS reclama previsão em lei complementar federal.”
De outro lado, no Tema 517, de aplicação específica aos contribuintes optantes do Simples Nacional, discutia-se a possibilidade de cobrança do DIFAL nas operações de compras interestaduais para revenda de mercadorias. Aqui, a controvérsia da exigência do DIFAL decorria da falta de observação ao princípio da não-cumulatividade, previsto no art. 155, §2º, I da Constituição Federal, segundo o qual o valor do tributo pago deve ser compensado nas operações seguintes da cadeia.
Isso porque, no caso dos contribuintes optantes do Simples Nacional, não há esta sistemática de compensação do ICMS, já que é vedada a apropriação e a transferência de créditos, nos termos da lei que trata deste regime diferenciado (art. 23, da Lei Complementar nº 123/2006).
Assim, com base no entendimento de que inexistiria violação ao princípio da não cumulatividade diante da vedação expressa constante da Lei Complementar nº 123/2006, e alegando que o contribuinte optante do Simples Nacional já está em um regime mais benéfico, devendo, portanto, arcar com o ônus deste ‘benefício’, o STF entendeu pela constitucionalidade da exigência do DIFAL nos casos de operações de aquisição de mercadorias por empresas optantes do Simples Nacional quando este não se enquadra na qualidade de consumidor final.
Além da surpresa pelo julgamento desfavorável aos contribuintes, a consolidação desta tese pelo STF também causou espanto ao tratar do Simples Nacional como um benefício. Isto porque, em sentido contrário, entendemos que este tratamento tributário favorecido para as micro e pequenas empresas é uma imposição constitucional, e não um benefício, à exemplo das disposições dos arts. 146, inciso III, alínea ‘d’, 170, inciso IX, e 179, in verbis:
Art. 146. Cabe à lei complementar: […]
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
[…]
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[…]
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Ademais, a facultatividade do Simples Nacional não configura um benefício em relação à obrigação tributária, eis que, tecnicamente, um benefício, assim como uma isenção tributária, caracteriza-se primordialmente pela alteração da norma de incidência após sua concretude ao fato jurídico.
O Simples Nacional é um regime tributário, ou seja, trata-se tão somente de uma forma de apuração distinta dos mesmos tributos, no qual o contribuinte manifesta sua opção e adota as práticas relacionadas a cada caso. Trata-se de uma forma substitutiva de tributação a respeito dos mesmos tributos, assim como ocorre no caso do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas que podem apurar pelo Lucro Real ou Presumido, por exemplo.
Com estas recentes decisões do STF, consolida-se um cenário no qual as grandes empresas, além de gerarem crédito do valor do ICMS, também estão dispensadas do recolhimento do DIFAL. De outro lado, os optantes do Simples Nacional, além de realizarem o recolhimento do antecipado do ICMS em guia específica, também deverão arcar com seu custo, na medida em que não têm o direito de opor este crédito decorrente do pagamento antecipado do ICMS ao futuro recolhimento a ser feito na sistemática do Simples Nacional.
A incoerência da conclusão a que chegou o STF salta aos olhos, especialmente diante da não cumulatividade, princípio inerente ao ICMS e que deveria nortear sua incidência para se evitar a tributação em cascata.
Não há dúvidas de que resta prejudicada a competitividade dos pequenos contribuintes frente aos grandes varejistas, além do evidente desestímulo ao empreendedorismo no país em prol da arrecadação.

Fernanda Schüür Macagnan