Algumas empresas adotam a prática da revista diária em seus funcionários, visando evitar furtos ou garantir que mercadorias de uso controlado não sejam desviadas.
Esta prática é embasada no poder diretivo do empregador (poder de comando e direção da relação de trabalho), que lhe impõe o dever de controle e fiscalização da prestação de serviços dos seus empregados.
O poder diretivo do empregador está disciplinado na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em seu artigo 2º, onde estabelece que “empregador” é aquele que assume os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços, bem como no artigo 3º, que estabelece que a prestação de serviços é feita sob a dependência do empregador.
“Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”
“Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”
Com base nesses dispositivos legais é que se admite que o empregador deva atuar de forma a dirigir, comandar e fiscalizar o trabalho do empregado com o objetivo de viabilizar a prestação de serviços.
Por outro lado, temos a Constituição Federal que garante a dignidade humana e estabelece que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de resposta e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua eventual violação. Ou seja, todo trabalhador tem garantido o seu direito à intimidade e, dessa forma, os tribunais trabalhistas estabelecem alguns limites às revistas realizadas pelas empresas.
Embora o direito à revista esteja compreendido no poder de comando e fiscalização do empregador, o empregado não pode ser submetido à situação humilhante ou vexatória, com a violação de sua intimidade.
Esta prática de revista de empregados ocorre em grandes empresas do ramo varejista e também na indústria, com as químicas e laboratórios, por exemplo, que precisam fiscalizar o eventual desvio de materiais perigosos ou de medicamentos controlados.
Esse procedimento de revista de empregados, no entanto, é visto por muitos juízes e operadores do direito como uma prática que afronta alguns dos princípios fundamentais dos empregados garantidos pela Constituição Federal, em especial o do respeito à intimidade e à dignidade da pessoa humana. Esses julgadores entendem que este procedimento é uma evidente presunção da prática de ato ilícito pelo funcionário.
Este posicionamento presume que a revista em objetos pessoais (bolas, mochilas) e na própria pessoa do trabalhador (vestes), a cada jornada de trabalho, configuraria uma acusação de furto, sendo uma prática agressiva, constrangedora e humilhante que se repete diariamente, ensejando um dano de ordem moral ao trabalhador.
No entanto, embora essa corrente de entendimento se fortaleça a cada dia, a prática de uma revista pessoal em trabalhadores ainda é necessária para determinados grupos empresariais e encontra respaldo na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que admite a sua realização quando feita de forma discreta e indiscriminada, sem qualquer violação de intimidade ou desrespeito.
“RECURSO DE REVISTA. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. DANO MORAL – REVISTA VISUAL DE BOLSAS E MOCHILAS – NÃO CONFIGURAÇÃO – TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA . Tratando-se de recurso de revista interposto em face de decisão regional que se mostra contrária à jurisprudência consolidada desta Corte, revela-se presente a transcendência política da causa, a justificar o prosseguimento do exame do apelo. Na questão de fundo, esta Corte Superior tem entendimento de que a revista pessoal, sem contato físico, não afronta a intimidade, a dignidade e a honra do empregado, sendo indevida a compensação por danos morais. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-1598-81.2014.5.05.0018, 7ª Turma, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 25/06/2021).
“(…) III – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 . DANOS MORAIS. USO DE DETECTOR DE METAIS. REVISTA PESSOAL. AUSÊNCIA DE CONTATO FÍSICO. A jurisprudência do TST é no sentido de que a conferência pelo empregador de pertences (bolsas, sacolas, mochilas, etc.), realizada sem discriminação entre os empregados, não configura dano moral. A diferenciação entre a revista pessoal e a revista íntima embasa esse entendimento. Considera-se que a conferência dos pertences do empregado (revista pessoal) realizada de forma indiscriminada é uma medida razoável para a proteção do patrimônio do empregador e inserida no seu poder diretivo, diferentemente do que ocorre na hipótese em que o empregado é obrigado a se despir ou há alguma espécie de contato físico (revista íntima). No caso, a revista era realizada por meio de detector de metais, de forma isolada, e revista pessoal quando este apitava, sem qualquer contato físico e sem a presença de outro empregado, o que não configura situação vexatória apta a ensejar danos morais. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-1616-76.2016.5.05.0101, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 28/05/2021).
(…) INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REVISTA VISUAL DE BOLSAS E PERTENCES. AUSÊNCIA DE CONTATO FÍSICO. O Regional concluiu que a revista pessoal em pertences do empregado, mesmo quando meramente visual, é ilícita e configura violação do direito fundamental de proteção à intimidade e à dignidade humana, acarretando dano de natureza moral. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, a revista aos pertences do empregado, quando realizada de forma não discriminatória e sem contato físico, por si só, não ofende a intimidade da pessoa do trabalhador, por se tratar de razoável exercício regular do direito do empregador, inerente ao seu poder de direção e fiscalização. Assim, estando ausente o ato ilícito, a reclamante não faz jus à indenização por dano moral postulada. Recurso de revista conhecido e provido . (…) (RR-817-55.2016.5.05.0029, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 12/03/2021).
Conforme se verifica, é preciso diferenciar uma “revista íntima” de uma “revista pessoal”.
A revista íntima é aquela revista corporal que acaba ingressando na esfera íntima do trabalhador.
A legislação brasileira (artigo 373-A da CLT e Lei nº 13.271/16) inclusive proíbe expressamente as empresas privadas da realização de “revista íntima” de funcionárias e de clientes do sexo feminino, estipulando multas em caso de descumprimento.
Já a revista pessoal é aquela que ocorre sem qualquer contato físico e sem exposição do corpo, podendo ser feita, inclusive, em utensílios pessoais do trabalhador, como bolsas e sacolas, ou em objetos fornecidos pela empresa para seu uso pessoal no ambiente de trabalho.
A revista pessoal, portanto, é a revista “visual”, que deve ser realizada com razoabilidade e ainda assim apenas naqueles casos em que se mostra extremamente necessária, sob pena de violar a dignidade do empregado.
Nesta hipótese, a empresa deve manter um sistema de revista que consista apenas uma revista superficial nos pertences (bolsa ou sacola), sem qualquer contato físico entre a pessoa que pratica a revista e o empregado revistado.
Desde que comprovada a necessidade, a revista deve ser feita em todos os empregados, indiscriminadamente, e de forma discreta, sem qualquer violação de intimidade ou desrespeito.
A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (4ª Região) é bem dividida quanto à possibilidade de sua realização.
Acórdão – Processo 0021903-44.2017.5.04.0007 (ROT)
Data: 31/05/2021
Órgão Julgador: 11ª Turma
Redator: CARLOS ALBERTO MAY
DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO . REVISTA VISUAL EM OBJETOS PESSOAIS. Assiste à empregadora o direito de zelar por seu patrimônio, não configurando afronta aos direitos de personalidade da trabalhadora a realização de revista visual nos seus objetos pessoais, quando ausente prova de que tal prerrogativa tenha sido exercida fora dos limites de respeitabilidade ou de que tenha ocorrido ofensa à sua intimidade.
Nesta decisão, a 11ª Turma do TRT, por unanimidade, entendeu que “à empregadora assiste o direito de zelar por seu patrimônio, não havendo comprovação de que tal prerrogativa tenha sido exercida fora dos limites de respeitabilidade ou de que tenha ocorrido ofensa à intimidade da reclamante”.
Ficou destacado que “a revista nos pertences dos empregados, quando feita sem práticas abusivas ou discriminatórias, não constitui motivo de constrangimento ou violação da intimidade.”
Acórdão – Processo 0020408-05.2018.5.04.0241 (ROT)
Data: 27/05/2021
Órgão Julgador: 7ª Turma
Redator: DENISE PACHECO
EMENTA Indenização por dano moral. Não comprovada a submissão do trabalhador a tratamento vexatório nem constatada ofensa à sua intimidade pela forma como realizada a revista de bolsa/mochila no ambiente de trabalho. A inexistência de prova do preenchimento do suporte fático do artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, afasta o direito à indenização por dano moral.
No mesmo sentido, a 7ª Turma do TRT registrou o entendimento de que, “do modo como realizada a revista, não evidencio ofensa à intimidade do trabalhador de maneira a causar vexame ou humilhação, pois, além de se tratar de procedimento dirigido a todos os empregados, não se caracteriza como revista íntima, esta sim vedada pelo ordenamento jurídico no inciso VI do artigo 373-A da CLT”.
Essa Turma registrou que “não se pode caracterizar como dano moral qualquer dissabor ou contrariedade, como alegado em inúmeras ações trabalhistas, sob pena de desvirtuar a natureza do instituto da reparação civil por ato ilícito”.
Acórdão – Processo 0020041-18.2019.5.04.0282 (ROT)
Data: 25/08/2020
Órgão Julgador: 8ª Turma
Redator: GILBERTO SOUZA DOS SANTOS
DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. OBJETOS. A revista efetuada pela reclamada em pertences da reclamante, especialmente na presença de clientes da reclamada, tem o condão de macular sua intimidade, honra, imagem, igualdade e dignidade, todos direitos fundamentais constitucionalmente previstos.
Já neste caso, a 8ª Turma do TRT, por maioria de votos, deferiu indenização por danos morais a uma trabalhadora, no valor de R$ 5.000,00. O redator do julgamento entendeu que “a revista realizada nos objetos pessoais da trabalhadora, tais como bolsas e mochilas, viola sua esfera imaterial, mesmo sem contato físico e sem prova de adoção de critérios discriminatórios”.
Fundamentou sua decisão no sentido de que “havendo aparente colisão de direitos fundamentais, cabe ao intérprete salvaguardar os princípios a que o sistema jurídico e a sociedade conferem maior importância, protegendo, no caso, o direito à intimidade, à dignidade e à honra do trabalhador, em detrimento da restrição ao direito de propriedade, que pode ser objeto de proteção por outros meios, tais como vigilância ostensiva, manutenção de armários fora do ambiente laboral e outros”.
Ficou ressaltado o entendimento de que “a intimidade da trabalhadora foi atingida com a revista realizada pela reclamada, assim como a sua honra e a dignidade, pois a revista, em qualquer de suas modalidades, é sempre atentatória da dignidade e intimidade do empregado” e que “a revista compromete a dignidade do trabalhador, porque traz em si a suspeita de furto por parte do empregado, ofendendo ainda o princípio da presunção da inocência, insculpido no artigo 5º, LVII, da Constituição, e evidenciando uma visão empresarial superada, que vê na relação de emprego uma relação de poder autoritária, em que o empregado é obrigado a sujeitar-se a qualquer coisa para manter o emprego”.
Acórdão – Processo 0020477-36.2019.5.04.0812 (ROT)
Data: 11/03/2021
Órgão Julgador: 6ª Turma
Redator: SIMONE MARIA NUNES
EMENTA RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMENTE. REVISTA DE PERTENCES PESSOAIS. DANO MORAL CONFIGURADO. A revista dos pertences pessoais do empregado (bolsas, mochilas, etc.) não se coaduna com o princípio fundamental, consagrado na Constituição, de respeito à dignidade da pessoa humana, pois parte da presunção da prática de ato desonesto pelo funcionário. Deve o empregador, portanto, indenizar o trabalhador pelo dano moral sofrido. Recurso a que se dá provimento.
A 6ª Turma, por sua vez, deferiu pagamento de indenização por danos morais, por conta das revistas íntimas nos pertences da trabalhadora, no valor de R$ 3.000,00, sob o fundamento de que “a reclamada excedeu o seu direito potestativo, bem assim o limite da conduta que se espera de uma grande empresa, violando os direitos de personalidade da parte reclamante. Veja-se que o procedimento da reclamada parte da presunção da prática de ato desonesto pelo funcionário, sendo indesviável a conclusão pela caracterização de dano moral. Os métodos gerenciais da ré, portanto, não se coadunam com o princípio fundamental, consagrado na Constituição, de respeito à dignidade da pessoa humana”.
Acórdão – Processo 0020054-81.2016.5.04.0812 (ROT)
Data: 11/10/2019
Órgão Julgador: 2ª Turma
Redator: MARCELO JOSE FERLIN D’AMBROSO
EMENTA DANO MORAL. REVISTA DE BOLSA. A revista da bolsa e dos pertences do empregado é ato do empregador e de seus prepostos revelador de perpetuada desconfiança na pessoa do funcionário, sendo assim presumível o abalo moral sofrido pela vítima, que se projeta na esfera laboral e íntima, causando-lhe, sem dúvida, efetivo prejuízo e não mero dissabor com a conduta de trabalhar sob permanente suspeita. A empresa pode se valer de outros meios para controle de furtos em seu estabelecimento, não havendo como consentir pela licitude do ato contínuo e sistemático adotado que quebra, inclusive, a fidúcia caracterizadora da relação de trabalho, exigível de ambas as partes, empregador e empregado.
Já a 2ª Turma do TRT, neste caso, por unanimidade, deferiu o pagamento de R$ 15.000,00 a uma trabalhadora, a título de indenização por danos morais.
Como fundamento, destacou que “o ato continuado do empregador em revistar seus colaboradores redunda na conclusão de que todos os trabalhadores eram tecnicamente suspeitos de furto, partindo de premissa equivocada com relação à integridade de seus funcionários, ao inverso do princípio geral de direito de que boa-fé se presume e má-fé se comprova”.
Assim, embora o direito à revista esteja compreendido no poder de comando e fiscalização do empregador e no direito à propriedade, o empregado não pode ser submetido à situação humilhante ou vexatória, com a violação de sua intimidade.
Por esta razão, antes de decidir pela implementação de uma política de fiscalização mediante a adoção de procedimentos de revista pessoal em trabalhadores, a empresa, na medida do possível, deve buscar formas alternativas de controle de seus produtos, como por exemplo com o uso de câmeras de vigilância e/ou pela implementação de armários individuais fora de ambiente controlado, exigir o uso de roupas adequadas e de fácil fiscalização, escâneres ou qualquer tecnologia não invasiva à intimidade do empregado.
A revista pessoal, portanto, deve ser realizada com razoabilidade e apenas nos casos em que se mostre extremamente necessária, como por exemplo quando a empresa lida com objetos e produtos de fácil retirada e de valor elevado, bem como com produtos controlados ou de uso restrito. Deve ser feita em todos os empregados, indiscriminadamente, e de forma discreta, sem qualquer violação de intimidade ou desrespeito.
A empresa deve manter um sistema de revista que consista apenas uma revista superficial nos pertences (bolsa ou sacola), sem qualquer contato físico entre a pessoa que pratica a revista e o empregado revistado.
Também é importante que todos tenham ciência prévia da realização da revista, devendo constar esta previsão no contrato de trabalho ou na norma coletiva da categoria profissional, sendo possível ainda que esta previsão conste em regulamento interno da empresa.
Não sendo observados esses cuidados, haverá inequivocamente uma invasão à esfera pessoal do empregado, com violação do direito à intimidade e caracterização de dano moral.
Marlo