A angústia face à imprevisão dos efeitos colaterais que serão causados pela pandemia do Covid-19 (econômicos, psíquicos e financeiros) é um sentimento comum a todos os seres humanos neste momento, sendo responsabilidade de cada um de nós a adoção de medidas, cada qual dentro de suas possibilidades, que contribuam ao máximo para minimização desses estragos.
Seguindo esse raciocínio, nós, advogados, não só podemos, como devemos, oferecer à sociedade informações e instruções qualificadas que amparem as relações jurídicas neste momento de fragilidade humana.
Pois bem, a pandemia que hoje abala as relações jurídicas certamente chegará ao fim, e são as medidas tomadas hoje que definirão as consequências de amanhã.
Não é possível anunciar soluções personalizadas, pois cada relação exigirá uma análise adequada ao caso concreto, como já mencionamos em nossos outros materiais. Por isso, buscamos neste artigo compartilhar conhecimentos a respeito de técnicas jurídicas legítimas que podem ser utilizadas para quebrar, revisar e/ou modificar relações contratuais e sobre as quais se fundamentam nossa opinião exposta no nosso texto intitulado “Relações contratuais frente ao coronavírus: O que fazer?”.
O conhecimento a respeito destes institutos é ferramenta fundamental para dimensionar riscos, sustentar acordos e amparar qualquer decisão. Então, vamos aos conceitos:
O CASO FORTUITO E A FORÇA MAIOR
O que diz a Lei?
Nos termos do art. 393 do Código Civil, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
O caso fortuito ou força maior se caracteriza pela ocorrência de um evento imprevisível e inevitável que obsta o cumprimento de uma obrigação ou gere um dano.
A lei não diferencia os institutos, mas a doutrina e a jurisprudência, por sua vez consideram dão a esses dois institutos (caso fortuito e força maior) aplicação distinta.
O caso fortuito está relacionado a eventos ou atos alheios à vontade das partes que se relacionam ao comportamento humano (como guerras, por exemplo), ao risco da atividade ou da empresa (há o exemplo das greves) ao e funcionamento de equipamentos, máquinas ou construções (como queda de um viaduto ou ponte, por exemplo).
O instituto da força maior, no entanto, correlaciona-se a eventos externos ou naturais, a exemplo de inundações, terremotos, raios ou ações estatais de ordem geral que produzam efeitos sobre as negociações privadas, das quais os sujeitos não possuem poder de ingerência.
A doutrina e jurisprudência ainda subdividem o instituto do caso fortuito em externo e interno. O fortuito interno guarda relação com a atividade desenvolvida pelo agente, uma vez que está conectado à esfera de risco dessa atividade. Um exemplo prático que esclarece o conceito de fortuito interno é a responsabilização objetiva das instituições financeiras, amplamente aplicada pelos Tribunais Superiores, nos casos em os danos são decorrentes de fraudes e delitos praticados no âmbito de operações bancárias, como clonagem de cartão de crédito de clientes, por exemplo.
O fortuito interno, na grande maioria dos casos, não afasta a responsabilidade do devedor e é aplicável, especialmente, nas relações de consumo.
Em sentido contrário, o fortuito externo está relacionado a eventos de natureza estranha às pessoas ou empresas e, em regra, afasta a responsabilidade do devedor.
A fim de facilitar o entendimento, de forma simples, ilustra-se a seguinte situação: imagine que você está dirigindo dentro dos limites e condições legais quando um raio atinge seu carro (evento inevitável e imprevisível), fazendo com que você colida em uma árvore e perca a consciência.
Neste momento, o seu cliente o aguarda para que você preste seus serviços na hora e na forma que vocês acordaram, prevendo o pagamento de penalidades caso você não cumprisse as suas obrigações.
De um lado temos um contratante que pagou pela prestação de serviços e quer recebê-la no prazo contratado. De outro temos o contratado, que esteve impossibilitado de cumprir sua obrigação devido a um fato alheio à sua vontade.
Numa primeira análise, a tendência é de interpretar que o evento imprevisível e inevitável gerará, como consequência, a aplicação do artigo 393 do Código de Cível, excluindo o prestador de serviços, no citado exemplo, da responsabilidade sobre o pagamento das penalidades.
Ocorre que qualquer análise sob o enfoque do caso fortuito e força maior deve sempre considerar as nuances do caso em análise, a partir de um exame individual dos fatos que contextualizam o evento fortuito, análise do dano em relação ao risco da atividade (fortuito interno), do que dispõe as cláusulas contratuais, bem como das condições gerais do negócio celebrado entre as partes.
Surge, então, o questionamento: as medidas adotadas para conter a pandemia ocasionada pelo Covid-19 podem ser objetivamente consideradas para a aplicação dos institutos do caso fortuito e da força maior como excludentes de responsabilidade? A resposta para tal questionamento está contida no parágrafo anterior: depende da análise individual de cada caso.
Apesar desta análise casuística, há medidas que podem, e devem, ser tomadas desde logo para gerir riscos e minimizar prejuízos:
1. É preciso, preliminarmente, catalogar os contratos possivelmente impactados pelas medidas tomadas em face do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do Covid-19, sejam eles escritos ou verbais.
2. Deve-se verificar se os contratos possuem cláusula que aborde a questão da excludente de responsabilidade por motivo de caso fortuito e força maior.
3. No caso de inexistência de previsão, é importante mensurar quais são os efeitos do descumprimento de tal contrato, a começar pelas multas e penalidade aplicáveis, criando desta forma um cenário do risco máximo para servir como base em possíveis negociações.
4. Convém, ainda, identificar a data da contratação, a fim de verificar a imprevisibilidade do evento, que, em regra, serve como requisito para caracterização da excludente de responsabilidade. Ou seja, se o contrato houver sido firmado durante ou pouco antes da explosão do Covid-19 no Brasil, é possível que a pandemia não seja considerada uma hipótese de força maior capaz de assegurar, com satisfatório grau de aceitação, a exclusão de eventual responsabilidade.
5. Se o impedimento para o cumprimento da obrigação for apenas temporário e puder não resultar na rescisão do contrato, há de se buscar simplesmente a suspensão do cumprimento da obrigação.
6. Deve-se verificar, também, se a situação de atraso ou inadimplência ocorreu antes da situação imprevisível, pois a Legislação Civil prevê que o devedor em mora (em atraso) deva responder pela impossibilidade da prestação, ainda que essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se os eventos ocorrerem durante o atraso, salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviveria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.
7. A Lei Civil ainda possibilita a revisão de contratos que se tornem excessivamente onerosos por decorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, sendo assegurada ao devedor a possibilidade de requerer a resolução do negócio ou, a fim de evitá-la, a modificação eqüitativa das condições do contrato.
8. Ainda que não esteja presente o fator de imprevisibilidade, a legislação possibilita a revisão contratual para a redução ou alteração da prestação a fim de evitar a onerosidade excessiva.
TEORIA DA IMPREVISÃO
O que diz a Lei?
A Teoria da Imprevisão está positivada nos artigos 317, 478, 479 e 480 do Código Civil. O artigo 478 prevê a possibilidade de resolução (extinção) de um negócio de execução continuada ou diferida por consequência de um acontecimento imprevisível que altere a base econômica do contrato e onere excessivamente uma das partes.
Os artigos seguintes (479 e 480) dispõem sobre a possibilidade de revisão do negócio jurídico, com a modificação eqüitativa das condições do contrato, bem como redução ou alteração da forma de execução, a fim de evitar a onerosidade excessiva a uma das partes.
O artigo 317, por sua vez, traz a possibilidade revisional dos contratos de forma mais expressa, dispondo que, se por motivos imprevisíveis “sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.
A Teoria da Imprevisão, portanto, é o remédio jurídico a ser empregado em situações de anormalidade para adequar ou extinguir avenças, mas sua aplicação, assim como nos institutos do Caso Fortuito e Força Maior, só pode ser analisada sob o enfoque individual dos termos de cada contrato e seu contexto.
Vejamos um exemplo real, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça no AgInt no AgInt nos EDcl no Agravo em Recurso Especial Nº 1.475.627, decisão publicada no início de março de 2020, que bem elucida a aplicação da Teoria:
O caso versa sobre a exigibilidade da cobrança de multa por rescisão de contrato de locação de um prédio comercial em que funcionou um Curso Preparatório para o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil.
As partes celebraram contrato de locação imobiliária comercial, com início em 01 de abril de 2004 e término em 30 março de 2009. O contrato previa o pagamento de multa pelo locador na hipótese de rescisão antecipada do contrato, com exceção das hipóteses de desocupação do imóvel no 24° mês de vigência contratual, ou no caso de surgimento de algum Decreto expedido pelo Ministério da Educação (MEC) que viesse a impedir ou inviabilizar a continuidade da atividade educacional.
O imóvel foi desocupado pelo locatário em 27.12.2004, apenas 08 meses após a celebração do negócio, com a respectiva entrega das chaves ao locador. Surgiu então a controvérsia sobre a existência da possibilidade de interpretação do contrato que atribuísse ao locatário o direito de isentar-se da multa na hipótese de ocorrência de fato superveniente que afetasse o exercício da atividade empresarial.
No momento da celebração do contrato, as atividades eram destinadas aos cursos preparatórios para os exames da OAB, os quais possuíam suas datas de exames em períodos pré-definidos publicadas nos respectivos editais da Ordem dos Advogados do Brasil.
Após a celebração do contrato de locação, houve uma brutal mudança no edital dos exames da OAB, os quais passaram, por um certo período, a prever que as provas não teriam mais data certa, de forma que os alunos passaram a não fazer inscrições para os cursos preparatórios, levando à total falta de alunos durante tal período e, por conseguinte, ao fechamento de muitos cursos.
Para clarear o exemplo trazido, importa dizer que o dispositivo contratual de isenção do pagamento de multa baseado em eventual disposição do MEC não poderia ser aplicado à hipótese levantada, porque um curso preparatório para o exame da OAB não possui qualquer relação com o MEC. Isto é, seria impossível a adequação de uma conduta ou fato concreto (norma sobre o fato) à norma jurídica estipulada pelas partes (norma sobre a conduta).
Com base nessa premissa, entendeu o Tribunal Superior a necessidade de realizar, no caso concreto, uma interpretação baseada nos fins almejados pelas partes e não na literalidade da cláusula.
O Tribunal Superior entendeu que efetivamente houve a ocorrência de fato imprevisto (alteração do edital da OAB, perda de alunos e fechamento do curso), que culminou na prévia desocupação do imóvel, aplicando ao caso concreto a teoria da imprevisão para isentar a locatário da pagamento de multa em face da rescisão antecipada do contrato.
Em brilhante conclusão, o Ministro Relator do acordão, Sr. Luiz Felipe Salomão, entendeu pela não aplicação da multa ao locatário e assim fundamentou:
“Tal vicissitude deve ser interpretada à luz dos princípios contratuais, de modo que resta inequívoco que, em virtude da ocorrência de fato imprevisto – modificação das regras do certame da OAB – alterou-se a paridade contratual. Em consequência, procedendo-se à interpretação baseada nos fins almejados na celebração do contrato de locação comercial, é possível inferir que os recorridos estariam dispensados do adimplemento da multa contratual justamente nos casos de imprevisão. Assim, a cobrança de multa, no caso concreto, ensejará o enriquecimento ilícito dos ora recorrentes”.
Em outro caso real julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, no AgInt no Agravo em Recurso Especial Nº 1.340.589, publicado em maio de 2019, o entendimento foi pela não aplicação da Teoria da Imprevisão.
Neste caso, a parte Contratante de um financiamento imobiliário requereu a revisão da avença diante do fato de redução da sua renda, fato ocorrido posteriormente à celebração do negócio jurídico, o que, na fundamentação da Contratante, teria desequilibrando a relação contratual, ensejando a referida revisão.
O Tribunal Superior fundamentou que a aplicação da Teoria da Imprevisão demanda fato novo superveniente que seja extraordinário e afete diretamente a base objetiva do contrato, entendendo que, no caso concreto, o desemprego ou a diminuição da renda da contratante não configuraria fato imprevisível ou extraordinário, afastando a possibilidade de revisão.
Exemplificada a aplicação da Teoria da Imprevisibilidade, mais uma vez nos questionamos: os desdobramentos causados pela pandemia de Covid-19 poderiam ser considerados eventos imprevisíveis para fins de revisão ou resolução de contratos com base na aplicação dos dispositivos legais acima mencionados e na interpretação da Teoria da Imprevisibilidade? A resposta, novamente, dependerá da análise individual dos negócios.
É claro que, em uma análise superficial e generalizada, tendemos a responder esse questionamento positivamente. Ocorre que esses institutos, porém, não podem ser aplicados de forma indistinta a todo e qualquer caso.
Na hipótese de um contrato formalizado durante a explosão do Covid-19 no Brasil, ou em que o objeto seja o fornecimento de máscaras hospitalares, ou, ainda, que possua cláusulas com regramento específico para casos extraordinários, a aplicação da Teoria da Imprevisão frente ao cenário da Covid-19 muito provavelmente seria rejeitada diante de suas particularidades.
Portanto, entendida a essência dos instituto do Caso Fortuito e da Força Maior, bem como a Teoria da Imprevisão, e assimiladas algumas diretrizes para o dimensionamento de riscos em renegociações de contratos, passa-se à análise da Boa-Fé nas relações contratuais, elemento essencial e basilar de qualquer relação jurídica.
BOA FÉ CONTRATUAL
O que diz a Lei?
O artigo 113 do Código Civil define que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração, dissecando e esclarecendo em seus parágrafos como realizar esta interpretação, evidenciando a função interpretativa do negócio jurídico.
Os parágrafos do artigo 113 estabelecem que as partes agem de boa fé quando são leais às expectativas criadas antes, durante e posteriormente à contratação celebrada, quando prestam informações claras e cooperam entre si. Prevê ainda que os contratos devem corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio, e, se redigidos unilateralmente por uma das partes, não podem ser mais benéficos à parte que os redigiu.
A boa-fé representa, portanto, a postura moral e ética que as partes devem ter durante a relação contratual; ela é a base das relações, e é através de posturas e ações como as acima descritas que muitos conflitos e prejuízos podem ser evitados.
O art. 422 do Código Civil define, de forma um tanto genérica, o dever dos contratantes de agir conforme os princípios de probidade e boa-fé, tanto na sua conclusão, quanto na sua execução, evidenciando a função de integração do contrato, por definir que a aplicação da boa-fé se inicia já na fase preliminar/negocial, se estende por toda a relação contratual e permanece na conclusão da relação jurídica.
O artigo 187 do Código Civil, dispõe sobre a hipótese do abuso de direito ou exercício irregular do direito. Significa dizer que o uso de um direito, poder ou coisa, além do permitido ou extrapolando as limitações jurídicas, traz como efeito o dever de indenizar ou a anulação do negócio jurídico, evidenciando, por sua vez, a função de controle que a boa-fé exerce sobre as relações jurídicas e contratuais.
O conceito de Boa-Fé subdivide-se em objetiva e subjetiva. Tem-se como boa-fé subjetiva o estado psicológico e íntimo do agente, sendo necessário que o intérprete considere as intenções, convicções, ignorância ou conhecimento do sujeito sobre os fatos e direitos.
Um bom exemplo de aplicação da interpretação sob o enfoque da boa-fé subjetiva seria o caso em que o indivíduo adquire propriedade alheia mediante usucapião. Neste caso, o indivíduo, por um longo período de tempo, crê e age como proprietário legítimo da propriedade, através do exercício da posse. O Código Civil, neste caso, expressamente consagra a boa-fé subjetiva no seu artigo 1.242, que dispõe que “adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos”.
Outro exemplo de fácil visualização seria o caso em que o indivíduo adquire/compra algo de outro que, na verdade, não é proprietário da coisa vendida. Neste caso, o indivíduo comprador possuía a convicção de que a coisa comprada era, de fato, de propriedade do vendedor, podendo vir a adquirir, por consequência, a efetiva propriedade sobre a coisa.
A boa-fé subjetiva está intimamente ligada aos direitos possessórios, como se pode observar pelos exemplos trazidos acima e consiste, portanto, nas crenças internas do sujeito, conhecimentos ou desconhecimentos de situações e eventos.
Já a Boa-Fé objetiva fundamenta-se em normas de comportamento, uma concepção não mais psicológica, como na boa-fé subjetiva, mas ética, e que esta mais intimamente ligada aos direitos contratuais, fundada em deveres objetivos de cooperação, confiança, harmonia, lealdade, informação e segurança das relações contratuais.
Estes comportamentos éticos objetivos estão, certamente, interligados e correlacionam-se. A lealdade, cooperação e harmonia podem ser executados através da fidelidade das partes aos compromissos assumidos. A confiança associa-se ao dever de informação, respaldada na transparência e enunciação da verdade, coerência da vontade manifestada com a conduta praticada, vedação de omissões dolosas, bem como explicitação clara dos direitos e deveres das partes, que se coaduna com a segurança das relações contratuais.
Além das ações comportamentais, há princípios que derivam da boa-fé objetiva e servem, inclusive, como ferramenta de defesa:
(I) O “venire contra factum proprium”, que veda o comportamento contraditório das partes, caracterizado pela ocorrência de um ato praticado por uma das partes que frustra a legítima expectativa da outra parte, criada pela prática de um fato anterior gerado pelo mesmo agente;
(II) A “supressio”, que significa “supressão”, e ocorre quando uma das partes provoca, pela sua inércia, a crença na outra parte de que dado direito não será exercido, apenas para depois exercê-lo de forma desleal;
(III) E por fim, o “duty to mitigate the loss” (dever de mitigar o prejuízo), onde o titular de um direito deve atuar de forma a minimizar a extensão dos danos tanto para si quanto para a outra parte. Se a parte detentora do direito negligenciar as medidas de mitigação dos danos, por exemplo, a parte afetada pode pedir a limitação das perdas e danos em proporção igual ao montante da perda que poderia ter sido reduzida ou evitada.
É importantíssimo, portanto, perante situações como a que hoje vivenciamos, manter as relações contratuais abrigadas por condutas que evidenciem a boa-fé, bem como conhecer e entender de forma mais aprofundada os princípios, conceitos e ações que permeiam o instituto da boa-fé nas relações contratuais.
Algumas dicas são importantes para a elaboração de um plano de ação que vise manter a boa-fé nas relações contratuais, como forma de resguardar a boa relação entre os contratantes, reduzindo rompimentos, rescisões, conflitos e prejuízos e, em último caso, como forma de prevenção para uma eventual necessidade de disputa judicial. São elas:
1. Elaborar comunicados claros, concisos e verídicos aos clientes/contratantes/contratados, utilizando os recursos e plataformas que melhor alcançarão o público alvo.
2. Enviar notificações e comunicados aos parceiros dos negócios, robustos de fundamentos, provas e fatos que embasem a mensagem a ser repassada.
3. Marcar reuniões para definição, em conjunto, de estratégias que melhor contribuam para a execução do negócio.
4. Elaborar aditivos contratuais que ajustem os negócios à situação atual das partes, visando a preservação do negócio.
5. Manter dossiê organizado com todos os documentos, provas, fatos e negociações para o caso de ajuizamento ou defesa em ação judicial.
Ainda, resta-nos uma rápida incursão pelo princípio da função social dos contratos, que orienta as relações jurídicas e dialoga com a boa-fé, na medida em que ambos emanam do princípio constitucional da solidariedade.
A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS
O que diz a Lei?
O artigo 421 do Código Civil dispõe que a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
O parágrafo único do artigo 2.035 do mesmo diploma legal sinaliza que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, a fim de assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
Mas, afinal, o que representa este princípio?
O contrato, ainda que represente a vontade privada das partes contratantes, deve visar o bem comum e não pode lesar direitos metaindividuais (sociedade ou a terceiro).
Imagine que você pretenda celebrar um contrato para a comercialização de um novo medicamento analgésico. Todos os medicamentos, por força de lei, devem ser autorizados e registrados na ANVISA (Agência Nacional e Vigilância Sanitária) para que possam ser fabricados e comercializados. O remédio que você pretende comercializar não foi liberado e registrado pela ANVISA.
No caso apresentado, é nítido que o princípio da função social do contrato prevalecerá sobre a autonomia da vontade das partes, haja vista que, neste caso, a preservação da saúde dos consumidores possui maior dimensão que a autonomia privada das partes.
Este princípio (da função social dos contratos), portanto, mais nos auxilia na compreensão de que muitas das pactuações realizadas por particulares poderão, diante do contexto histórico em que nos encontramos, ser revistas para a preservação de um bem maior, seja preservação da saúde pública, da ordem econômica, e por aí vai.
Temos reforçado isso – e exemplificado com medidas concretas que já estão valendo – em diversas das nossas publicações. Vale dar uma conferida!
Não podemos ignorar, pois, que também o Poder Judiciário deverá observar e adotar como base interpretativa o princípio da função social dos contratos quando do julgamento de eventuais ações provenientes de quebras contratuais e inadimplementos verificados durante a crise causada pela pandemia de Coronavírus (Covid-19), a fim de evitar a lesão aos direitos difusos, coletivos e individuais.
É preciso ter em mente que a autonomia da vontade nas contratações é direito das partes, mas deve sempre ser analisada sob o prisma da função social e da ordem pública em que está inserida.
Significa dizer, portanto, que, frente ao atual cenário de calamidade pública, há de se atribuir maior valor à função social dos negócios, e reavaliar estrategicamente as relações contratuais visando a minimização dos prejuízos individuais e coletivos.
Nosso conselho final é de que sejamos solidários, que protejamos a nós e aos outros, que entendamos que a colaboração mútua e a valorização das nossas relações, através de boa comunicação, é a melhor forma de reduzir os impactos negativos que marcarão esta época.
Para finalizar, trazemos as brilhantes palavras do Jurista escocês Ian Roderick Macneil:
“Se quisermos entender contratos, temos de sair do isolamento intelectual que nos impusemos e absorver algumas verdades básicas. Contrato sem as necessidades e gostos comuns criados somente pela sociedade é inconcebível; contrato entre indivíduos totalmente isolados, que b