RECUPERAÇÃO JUDICIAL FACILITADA, MAS AINDA DESAFIADORA

A legislação falimentar possui importante papel para as economias dos países, na medida em que possibilita a reabilitação de empresas recuperáveis, protegendo o núcleo da atividade econômica e, consequentemente, resguardando a fonte geradora de empregos, renda e outros ativos gerados pelas empresas, como o conhecimento acumulado. Quando se perde uma empresa, todo o conhecimento mercadológico produzido se dissipa e pode se tornar bastante custoso sua recomposição.

Dada a importância referida acima, foi com grande regozijo que o mercado brasileiro em geral recebeu, em 2005, a nova Lei de Recuperação e Falências, em substituição à Lei de Concordatas, do longínquo 1964. Isto porque a nova lei representava um significativo avanço ao ambiente empresarial brasileiro ao equipar a jurisdição com instrumentos que elevavam em muito as chances de soerguimento de empresas em crise, espelhando-se principalmente na bem sucedida Chapter 11 norte-americana.

Passados quase quinze anos da promulgação da Lei 11.101/05, é consenso entre empresários, magistrados e advogados que os resultados obtidos estão muito aquém do esperado, principalmente quando comparados com aqueles obtidos nos Estados Unidos.

Muitos são os motivos que levam aos módicos resultados atingidos pela lei brasileira, constando entre os principais, sem dúvida, a restrição do acesso a crédito privado pelas empresas em recuperação e a rigidez do Fisco no tratamento das dívidas tributárias.

Nesse contexto, a Câmara aprovou em 26 de agosto de 2020 o Projeto de Lei 1397/20, que altera pontos importantes na legislação falimentar brasileira visando seu aperfeiçoamento em face das problemáticas diagnosticadas.

No âmbito tributário, o projeto prevê maior flexibilização com a possibilidade de parcelamento das dívidas fiscais em até 120 meses ante o prazo de 84 meses até então praticado.

Esse é um avanço importante, aproximando-se do prazo médio que os credores privados costumam conceder às recuperandas, que é de 144 meses, conforme pesquisa da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), realizada em parceria com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que estudou 194 processos de recuperação judicial entre setembro de 2013 e junho de 2016.

O ideal, contudo, seria possibilitar uma renegociação mais ampla dos débitos tributários, trazendo o Fisco para a mesa de negociações nas mesmas condições dos demais credores para, com isso, diluir de modo mais equânime os riscos e eventuais prejuízos, reduzindo o peso sobre os agentes privados.

Outra facilidade tributária apresentada pelo Projeto de Lei propõe a exclusão da incidência de PIS e COFINS sobre eventuais ganhos sobre descontos em renegociações de dívidas, além da não limitação de 30% para a apuração do Imposto de Renda e Contribuição Social.

Na esfera da ampliação da oferta de crédito, o Projeto dispõe sobre a possibilidade de apresentação de garantias reais em nome dos sócios da recuperanda e, ainda, altera a ordem de prioridades para o pagamento de créditos em eventual falência, de modo que, após o pagamento de créditos trabalhistas e decorrentes de acidentes do trabalho, esses novos empréstimos seriam os próximos da fila.

Não há, porém, qualquer alteração na dinâmica processual, que atualmente implica em demora exagerada na concessão dos empréstimos, o que, muitas vezes, inviabiliza as operações por problemas de timing. É sabido que o tempo processual é bastante diferente da dinâmica empresarial. No Brasil, todavia, a dilação desses prazos tem sido fator determinante para o fracasso de diversas recuperações.

Há ainda outras melhorias como a possiblidade de prorrogação do Stay Period, que já se observava na prática, e o estabelecimento de diretrizes para falências transnacionais, o que faz todo o sentido em um mundo cada vez mais global e interconectado.

Sem dúvidas que as mudanças propostas pelo Projeto de Lei trarão resultados positivos para a melhoria na taxa de recuperações bem sucedidas e que serão fundamentais para a superação da atual crise provocada pelo Covid-19. Não obstante, é preciso considerar a necessidade de alterações mais profundas para que se logre resultados mais efetivos.

Rodrigo Piazzeta

Economista, sócio da Roop Finanças Empresariais