OS GASTOS PARA ATENDIMENTO À LGPD E A GERAÇÃO DE CRÉDITO DE PIS E COFINS NA APURAÇÃO NÃO-CUMULATIVA

A nossa sociedade nunca teve a seu alcance níveis tão elevados de dados e informações. Uma generosa quantidade de novas dados e informações, algumas mais úteis, fidedignas e compreensíveis do que outras, é diariamente despejada na rede mundial de computadores, ficando acessível a todos nós.

Diante desse cenário, restou editada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, com vistas a regular o direito à não divulgação de informações do indivíduo que tem, por amparo da Constituição Federal, o direito à autodeterminação e sigilo de seus dados pessoais.

Como a LGPD foi instituída para proteger os dados de pessoas físicas, a parcela mais afetada com as novas obrigações por ela criadas acabou recaindo sobre as pessoas jurídicas, como empresas, instituições, entidades, órgãos públicos, sobretudo aquelas que utilizam os dados das pessoas no desenvolvimento de sua atividade-fim.

Nesse contexto, a LGPD veio impor que as pessoas jurídicas passem a adotar inúmeras medidas de ordem organizacional, tais como a remodelação de procedimentos e normas internas, a implementação de soluções para controle do tratamento de dados, e adequação de sua estrutura para anteder às solicitações do titular envolvendo, por exemplo, a correção e exclusão dos dados, o investimento em segurança da informação e recursos tecnológicos para evitar vazamentos de dados, dentre outras tantas providências necessárias para reduzir a possibilidade de divulgação indesejada destas informações protegidas por lei.

Trata-se de uma batalha inglória, considerando que a tecnologia é a grande fonte propulsora do acesso à informação. A cada dia são observadas novas falhas, mecanismos de invasão, ou outras formas de exposição dos dados que se precisa proteger, sendo esta uma missão que beira ao impossível. E esse risco é uma consequência inafastável, uma vez que os dados pessoais são indispensáveis para uma infinidade de atividades, como as áreas médica, bancária, para as relações de emprego, para as compras e vendas, e muitas outras situações corriqueiras.

Por essa razão, é imperioso que cada pessoa jurídica invista continuamente na segurança do tratamento de dados, em certos casos, constituindo um verdadeiro exército de pessoas munidas de ferramentas que precisam de constante atualização para proteger ativa e constantemente os dados pessoais, especialmente quando esses dados são explorados comercialmente.

E tudo isso custa muito caro, sem sombra de dúvida. É aí que entra a importância de se saber se o custo empregado para adequação e manutenção da aderência às previsões da LGPD são, ou não, passíveis de gerar crédito de PIS e de COFINS, na apuração não-cumulativa e em favor do contribuinte, para compensar com o valor devido dessas mesmas contribuições.

As empresas que apuram essas duas contribuições citadas na modalidade não-cumulativa podem computar crédito sobre despesas incorridas com “bens e serviços utilizados como insumo na prestação de serviço e a na produção ou fabricação de bens e produtos destinados à venda”, conforme termos dos artigos terceiro das leis 10.637/2002 e 10.833/2003 e suas alterações. E esta previsão legal suscita muitas dúvidas.

Há algum tempo, a Receita Federal do Brasil somente admitia o creditamento decorrente das despesas de serviços, produtos e bens aplicados diretamente na atividade-fim da pessoa jurídica.

A partir de um novo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, as despesas com gastos não aplicadas diretamente na área produtiva também passaram a ser consideradas na determinação do crédito compensável com o valor dos mesmos tributos a pagar. Entretanto, nesse novo entendimento, as despesas não ligadas diretamente à atividade-fim devem apresentar a característica de essencialidade, “cuja subtração importa na impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção, isto é, cuja subtração obsta a atividade da empresa, ou implica em substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultantes”, parte do acórdão firmado pelo Ministro Mauro Campbell.

Com base na decisão do Superior Tribunal de Justiça, o órgão fazendário federal passou a admitir o creditamento de valores gastos com custos outros que não aqueles aplicados diretamente na atividade produtiva, porém, passou a conceituar o critério da essencialidade do gasto que permite sua apropriação.

Nesse contexto, ficou estabelecido que serão essenciais os insumos do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço para sua existência, bem como para garantir sua qualidade, quantidade e/ou suficiência. Também cumpre a mesma característica de essencial o insumo cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção e seja necessário pelas singularidades de cada cadeia produtiva ou imposto por obrigação decorrente de lei.

E dentro desse cenário, a LGPD impõe ao contribuinte que este invista nas adequações necessárias para cumprir as suas exigências, sob pena de ser gravemente responsabilizado. De outro lado, também é possível verificar que tais gastos se relacionam à qualidade do serviço prestado, especialmente para aquele cuja atividade-fim exige o tratamento de dados pessoais. Esses dois fatores já revelam a plausibilidade do direito das pessoas jurídicas que apuram o PIS e a COFINS no regime não-cumulativo de computarem créditos destas contribuições decorrentes do investimento na adequação à LGPD.

Já existe decisão reconhecendo o direito do contribuinte de computar o crédito de PIS e COFINS desde que comprove os gastos com a adequação à LGPD. Porém, a jurisprudência ainda precisa desenvolver melhor o tema, inclusive porque o Supremo Tribunal Federal já admitiu analisar o conceito de insumo sob o viés constitucional, uma vez que a Constituição Federal não definiu uma técnica específica para a não cumulatividade das contribuições.

A Suprema Corte identificou a existência de repercussão geral (Tema 756) neste assunto, que é critério indispensável para análise de matérias constitucionais, ao afirmar que “O texto da EC 42/03, ao cuidar da matéria quanto ao PIS e à COFINS, referiu que ‘a lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos inciso(sic) I, b; e IV do caput, serão não cumulativas´ (CF art. 195, §12), deixando de registrar a fórmula que serviria de ponto de partida à exegese pontuada, ou qualquer outra.”. Ao final, a decisão que reconheceu a causa como de competência do STF, proferida pelo Ministro Luiz Fux, afirma que “… as restrições previstas nas referidas leis, a limitar o conceito de insumo na tributação sobre a receita, requerem a definição da amplitude do preceito previsto no §12 do art. 195 da CF”.

Em face da falta de definição sobre a possibilidade de adjudicação do crédito decorrente do investimento na adequação da LGPD, e considerando que

o STF ainda irá se manifestar sobre o tema, podendo decidir de forma a garantir o crédito em específico, é fundamental que as empresas adotem uma postura de cautela e ajuízem ações para buscar garantir a recuperação total dos valores comprovadamente empregados na LGPD, uma vez que, após o julgamento do Tema 756, é possível que a Suprema Corte aplique a prejudicial modulação de efeitos que, de forma coloquial, pode ser resumida na frase “quem fez, fez, que não fez, não leva mais”, ao menos em relação aos valores já gastos.

Ricardo Preis