Os criptoativos ganharam projeção mundial ao longo dos últimos 10 (dez) anos, mas até hoje carecem de regulamentação em grande parte dos países. No Brasil não é diferente. Existem diversos Projetos de Lei em tramitação, como o PL 2303/2015, o PL 2060/2019, o PL 3825/2019 e o PL 3949/2019), mas até o momento não temos nenhuma legislação específica em vigor tratando do assunto de maneira mais abrangente e sistemática. As principais economias mundiais já perceberam a necessidade e relevância de regular o mercado dos criptoativos, sobretudo para conferir maior segurança às operações realizadas com tais ativos, para o estabelecimento de medidas de prevenção e combate aos crimes lavagem de dinheiro, ocultação de bens e financiamento ao terrorismo e outras atividades ilegais, a exemplo das conhecidas “pirâmides” financeiras.
Além disso, diante do crescente aumento e a popularização de operações envolvendo criptoativos – em especial as criptomoedas – surge também a necessidade de instituição de regras para regulamentar a tributação de tais transações.
Vamos entender alguns dos principais pontos de cada um dos projetos hoje existentes no Brasil prevendo a regulamentação dos criptoativos.
Projeto de Lei 2303/2015
Este primeiro Projeto de Lei, datado de 2015, de iniciativa da Câmara dos Deputados, mostrou-se demasiadamente simples e incompleto. Possui apenas 3 (três) artigos para estabelecer as seguintes previsões:
- Instituição da competência do Banco Central do Brasil para a regulamentação de arranjos de pagamentos baseados em moedas virtuais;
- Sujeição das operações envolvendo moedas virtuais às obrigações da Lei 9.613/98 relacionadas ao combate da lavagem de dinheiro e outros crimes;
- Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às operações envolvendo moedas virtuais.
Projeto de Lei 2060/2019
Este Projeto de Lei, também de iniciativa da Câmara dos Deputados, surgiu com o propósito de regular mais amplamente a matéria, definindo os Criptoativos como ativos utilizados como meio de pagamento, reserva de valor, utilidade e valor mobiliário, e dispondo sobre o aumento de pena para o crime de “pirâmide financeira”, bem como para crimes relacionados ao uso fraudulento de Criptoativos.
Este Projeto, que está apoiado na premissa o de que não pode a regulação interna ser desmedida a ponto de tolher transações com Criptoativos, expressamente reconhece a legalidade da sua livre emissão e circulação, observadas as eventuais regulamentações específicas aplicáveis em face de sua natureza ou da natureza dos bens, serviços ou direitos subjacentes.
Este Projeto propôs acrescer ao Código Penal o art. 292-A para estabelecer como crime “Organizar, gerir, ofertar carteiras, intermediar operações de compra e venda de Criptoativos com o objetivo de pirâmide financeira, evasão de divisas, sonegação fiscal, realização de operações fraudulentas ou prática de outros crimes contra o Sistema Financeiro, independentemente da obtenção de benefício econômico”. Uma das críticas a essa proposta reside no estabelecimento de uma pena ainda muito branda para crimes dessa natureza, fixada, no caso, como sendo de detenção de apenas 1(um) a 6 (seis) meses, ou multa.
Projeto de Lei 3825/2019
Este Projeto é de iniciativa do Senado Federal e a ele foi apensado, para tramitação conjunta, o Projeto de Lei 3949/2019.
De acordo com a Justificação apresentada pelo autor do Projeto, o objetivo principal é o de regular o mercado dos criptoativos de modo a conferir-lhe maior segurança e proteção do investidor e da ordem econômico-financeira, especialmente diante dos riscos e receios de utilização de tais ativos virtuais para a práticas perniciosas como lavagem de dinheiro, evasão de divisas, financiamento ao tráfico de drogas e terrorismo, ou mesmo para a obtenção de ganhos ilícitos em detrimento da coletividade, como a criação de pirâmides financeiras e outros mecanismos fraudulentos.
A regulamentação proposta por este Projeto de Lei está sintetizada nas seguintes disposições:
- Conceituação de criptoativo, plataforma eletrônica e Exchange de criptoativos;
- Estabelecimento de diretrizes que devem nortear o mercado de criptoativos, segundo parâmetros estabelecidos pelo Banco Central do Brasil;
- Instituição de um sistema de licenciamento das Exchanges de criptoativos, mediante autorização prévia do Banco Central do Brasil, contendo requisitos e obrigações mínimas às empresas para que possam ser autorizadas a negociar regularmente criptoativos no Brasil, dando segurança e credibilidade ao mercado e protegendo o investidor e a ordem econômico-financeira do país;
- Definição do Banco Central do Brasil como o órgão competente para atuar na regulação, supervisão e fiscalização do mercado de criptoativos;
- Definição de que os criptoativos, em regra, não se submetem à fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, exceto quando se revestirem de característica de valor mobiliário mediante oferta pública para captação de recursos da população, o que costuma ocorrer em práticas de Initial Coin Offering (ICO);
- Inclusão, na Lei nº 1.521/51, de um crime específico de gestão fraudulenta de Exchange de criptoativos, com pena de reclusão variando entre 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa;
- Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às operações envolvendo criptoativos, e ao estabelecimento de prazos e condições, pelo Banco Central do Brasil, para a adequação das Exchanges em funcionamento.
Projeto de Lei 3949/2019
Este projeto contempla previsões bastante semelhantes às contidas no Projeto de Lei 3825/2019 e, por esta razão, tramita no Senado Federal conjuntamente a este. A principal inovação deste Projeto está em estender às operações de alienação de criptoativos as regras de apuração do imposto de renda com base no ganho de capital, já previstas no art. 21 da Lei 8.981/95
COMO A CVM VÊ OS CRIPTOATIVOS
A CVM, por meio de comunicados e decisões proferidas no seu âmbito de atuação, vem manifestando o entendimento de que os criptoativos não são, de regra, considerados valores mobiliários e, portanto, não estariam sujeitos às disposições contidas na Lei nº 6.385/76 e demais normas expedidas pela própria CVM.
No entanto, de acordo com a previsão contida o inciso IX do art. 2º da citada Lei, são considerados valores mobiliários sujeitos ao dito regime normativo, “quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros”.
Baseado em tal entendimento, a CVM tem atuado na fiscalização e punição de entidades que realizem a oferta pública de valores mobiliários sem a obtenção do devido registro ou de dispensa, por configurar infração de natureza grave conforme o disposto no artigo 59, II, da Instrução CVM nº 400/2003.
Por meio do Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN, a CVM externou o entendimento de que as criptomoedas não podem ser qualificadas como ativos financeiros, para os efeitos do disposto no artigo 2º, V, da Instrução CVM nº 555/14, e por essa razão, estaria vedada sua aquisição direta pelos fundos de investimento ali regulados. Alguns meses depois, através do Ofício Circular nº 11/2018/CVM/SIN a CVM complementou a informação consignando que a Instrução CVM nº 555, em seu art. 98 e seguintes, ao tratar do investimento no exterior, autoriza o investimento indireto em criptoativos por intermédio, por exemplo, da aquisição de cotas de fundos e derivativos, entre outros ativos negociados em terceiras jurisdições, desde que admitidos e regulamentados naqueles mercados. No entanto, alertou que cabe aos administradores, gestores e auditores independentes observar determinadas diligências na aquisição desses ativos no cumprimento dos deveres que lhe são impostos pela regulamentação.
Para atender as preocupações com a realização de operações ilegais nesse mercado, como a lavagem de dinheiro, práticas não equitativas, operações fraudulentas ou de manipulação de preços, dentre outras práticas similares, a CVM orienta para que realização de tais investimentos em criptoativos ocorra por meio de plataformas de negociação (“exchanges”) que estejam submetidas, nessas terceiras jurisdições, à supervisão de órgãos reguladores que tenham, reconhecidamente, poderes para coibir tais práticas ilegais, inclusive mediante o estabelecimento de requisitos normativos.
A CVM ainda orienta para que o gestor de fundos de investimento adote diligências para minimizar o risco de fomentar a oferta de um criptoativo fraudulento, com a verificação das variáveis relevantes associadas à emissão, gestão, governança e demais características do criptoativo. Exemplos importantes nessa avaliação são (i) se o software base é livre e de código fonte aberto (free open source software) ou fechado; (ii) se a tecnologia é pública, transparente, acessível e verificável por qualquer usuário; (iii) se há arranjos que suscitem conflitos de interesse ou a concentração de poderes excessivos no emissor ou promotor do criptoativo, ou o uso de técnicas agressivas de venda, (iv) a liquidez de negociação do criptoativo, (v) a natureza da rede, dos protocolos de consenso e validação, e do software utilizados, ou (vi) o perfil do time de desenvolvedores, bem como seu grau de envolvimento com o projeto.
OPERAÇÕES COM CRIPTOATIVOS DEVEM SER INFORMADAS À RECEITA FEDERAL
Em 03 de maio de 2019 a Receita Federal do Brasil editou a Instrução Normativa RFB nº 1888/2019, que “Institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB)”, já a partir de setembro de 2019, relativamente a operações ocorridas em agosto de 2019.
Quem deve prestar as informações?
Estão obrigados a prestar as informações as pessoas físicas ou jurídicas, domiciliadas ou residentes no Brasil, quando atendidas as seguintes condições:
- as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior;
- as operações não forem realizadas em exchange.
- O valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
- As exchanges – empresas que realizam a intermediação, negociação ou custódia de criptoativos – que foram domiciliadas no Brasil também estão obrigados a prestar as informações.
- Devem ser informadas operações como, por exemplo:
- compra e venda;
- permuta;
- doação;
- transferência de criptoativo para a exchange;
- retirada de criptoativo da exchange;
- cessão temporária (aluguel);
- dação em pagamento;
- emissão;
- outras operações que impliquem em transferência de criptoativo.
Como são prestadas as informações?
As informações devem ser prestadas através do sistema Coleta Nacional, disponibilizado por meio do Centro Virtual de Atendimento (e-CAC) da RFB, assinado digitalmente com o uso de certificado digital. Acesse aqui o manual de preenchimento.
Quais informações devem ser prestadas?
As Exchanges domiciliadas no Brasil, bem como as pessoas físicas e jurídicas não operem por meio de Exchange deverão apresentar as seguintes informações:
- a data da operação;
- o tipo da operação;
- os titulares da operação;
- os criptoativos usados na operação;
- a quantidade de criptoativos negociados, em unidades, até a décima casa decimal;
- o valor da operação, em reais, excluídas as taxas de serviço cobradas para a execução da operação, quando houver;
- o valor das taxas de serviços cobradas para a execução da operação, em reais, quando houver;
- o endereço da wallet de remessa e de recebimento, se houver.
As pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no Brasil que operem por meio de Exchanges domiciliadas no exterior, deverão, adicionalmente às informações acima, indicar também a Exchange utilizada.
Qual o prazo para a prestação das informações?
As informações deverão ser transmitidas à RFB mensalmente até o último dia útil do mês-calendário subsequente ao da ocorrência das operações com criptoativos.
Adicionalmente, a Exchange domiciliada para fins tributários no Brasil deverá prestar, no mês de janeiro de cada ano, tomando como data base 31 de dezembro do ano-calendário anterior, as seguintes informações relacionadas a cada usuário de seus serviços:
- o saldo de moedas fiduciárias, em reais;
- o saldo de cada espécie de criptoativos, em unidade dos respectivos criptoativos; e
- o custo, em reais, de obtenção de cada espécie de criptoativo, declarado pelo usuário de seus serviços, se houver.
Existem penalidades pelo descumprimento dessas obrigações?
As multas pela prestação de informações fora do prazo vão de R$100,00 para pessoas físicas até R$ 1.500,00 para pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.
No caso de serem prestadas informações inexatas, incompletas ou, ainda, omitidas informações, a multa será de 3% do valor da operação, não inferior a R$ 100,00, se o declarante for pessoa jurídica (reduzida em 70% para optantes do Simples Nacional) e de 1,5% do valor da operação na hipótese de declarante for pessoa física.
Autoria: Christian Stroeher
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