O MARCO LEGAL DAS STARTUPS E DO EMPREENDEDORISMO INOVADOR

No final da década de 1990, com a popularização da internet e a demanda crescente por computadores, houve uma expansão no potencial econômico de negócios via internet (empresas que ficaram conhecidas como “ponto com” ou “dot com”). Esse novo mercando envolvendo empresas baseadas em negócios na internet ou intensivas em tecnologia atraiu um intenso fluxo de investimentos e especulações para essa nova forma de empreender, passando a ser conceituado como Nova Economia, anticíclica e de crescimento ilimitado.

A alta das ações alocadas nas novas empresas de tecnologia da informação e comunicação “ponto com” da época, deu origem ao termo “Bolha da Internet”. A bolha se alimentava de especulação, financiamentos privados maciços e excesso de confiança no crescimento do setor.

Com uma alta aplicação de capital em uma dimensão do mercado que ainda estava se consolidando, muitas empresas acabaram não atingindo o resultado esperado diante de grande instabilidade e concorrência, acarretando a queda brusca da NASDAQ (National Association of Securities Dealers Automated Quotations, bolsa de valores norte americana especializada no mercado de tecnologia). 

Foi neste cenário (que ficou conhecido como Bolha da Internet, entre os anos 1990 e 2001) que surgiu a utilização do termo “startup” (que pode ser traduzido para o português como “começo”, “partida”). Os conceitos de startups já desenvolvidos geralmente se convergem em um sentido de ser uma empresa jovem, com um modelo de negócio repetível e escalável, criado dentro de um cenário de incertezas.

“Uma empresa startup é uma empresa com um histórico operacional limitado. Essas empresas, geralmente recém-criadas, estão em uma fase de desenvolvimento e à procura de mercados. Empresas iniciantes podem vir de todas as formas. Os investidores geralmente são mais atraídos por essas novas empresas, diferenciadas pelo perfil de risco e recompensa e pela escabilidade. Ou seja, eles têm custo menores, maior risco e maior retorno potencial sobre investimento. Startups de sucesso são tipicamente mais escalonáveis do que um negócio estabelecido, no sentido de que elas podem crescer potencialmente rápido com investimento limitado de capital e trabalho. (OIOLI, E. F. Manual de Direito para Startups. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. p.15)”.

“Startups trabalham num campo de altíssimo risco, e não só mercadológico. É o que as diferencia, basicamente, das corporações tradicionais, sejam elas pequenas ou grandes. Uma padaria, por exemplo, é um modelo de negócio pequeno, mas existente há anos, consequentemente os players desse mercado já sabem ou têm condições de saber como atuar, Já o oferecimento de um serviço por meio de aplicativo de mensagens instantâneas, dependendo da forma como se comporta e o que traz, é igualmente pequeno; mas completa ou parcialmente inédito, não estando inserido num contexto de conforto sob o qual repousam tais empresas comuns, o que torna o campo de atuação dos empreendedores bastante incerto. (FEIGELSON, B., NYBO, E. F., FONSECA, V. C. Direito das Startups. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 26)”.

As startups podem ser divididas de acordo com os tipos de negócio e nichos onde atuam. São tipos de negócios, por exemplo, startups “B2B (Business to Business, negócios para negócios)”, sendo o foco do negócio o atendimento a outras empresas, B2C (Business to Consumer, em português, negócios para consumidores, onde se visa o serviço para o consumidor final, B2B2C (Business to Business to Consumer), em português, negócios para empresas para consumidores, é utilizada quando uma empresa faz negócios com outra visando uma venda para o cliente final. No caso, o iFood é um ótimo caso de uma startup que faz parceria com outras empresas (restaurantes) para ajudar na venda para clientes.

Exemplos de nichos podemos citar as FinTech, HealthTech, EdTech, LawTech, Agrotechs etc., nomenclaturas que servem para definir startups no ramo, respectivamente, de mercado financeiro, saúde e medicina, educação, direito, agronegócio.

MARCO LEGAL DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

No Brasil, no ano de 2020, as startups sinalizaram um crescimento contínuo ainda mais incentivado dentro do cenário que a pandemia da Covid-19 criou ao acelerar a digitalização e o uso de tecnologias por empresas interessadas em aumentar a produtividade e melhorar a oferta aos clientes através de produtos e serviços inovadores e tecnológicos, facilitado também em razão da queda recorde da taxa Selic que incentivou investimentos em ativos possivelmente mais rentáveis, como startups.

Neste cenário, foi aprovado, no dia 01/06/2021, o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador através da LEI COMPLEMENTAR Nº 182, DE 1º DE JUNHO DE 2021, que entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial. A Lei possui o objetivo de conferir mais liberdade e segurança jurídica para quem quer investir e empreender com e em startups.

Em seu art. 3º, o Marco Legal reconhece expressamente que o empreendedorismo inovador é vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental. O Marco legal da internet (2014) e o Marco legal da ciência, tecnologia e inovação (2016) já dispunham, na mesma linha do Marco legal das startups, a promoção da inovação como forma de incentivo desenvolvimento econômico e social do país.

Marco legal da internet (LEI Nº 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014): “Art. 4º A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção: III – da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso”

Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (LEI Nº 13.243, DE 11 DE JANEIRO DE 2016): “Art. 1º: Esta Lei estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País, nos termos dos arts. 23 , 24 , 167 , 200 , 213 , 218 , 219 e 219-A da Constituição Federal”.

PRINCÍPIOS:

O artigo 3º do Marco Legal da internet estabelece os seguintes princípios de diretrizes:

I – reconhecimento do empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental;

II – incentivo à constituição de ambientes favoráveis ao empreendedorismo inovador, com valorização da segurança jurídica e da liberdade contratual como premissas para a promoção do investimento e do aumento da oferta de capital direcionado a iniciativas inovadoras;

III – importância das empresas como agentes centrais do impulso inovador em contexto de livre mercado;

IV – modernização do ambiente de negócios brasileiro, à luz dos modelos de negócios emergentes;

V – fomento ao empreendedorismo inovador como meio de promoção da produtividade e da competitividade da economia brasileira e de geração de postos de trabalho qualificados;

VI – aperfeiçoamento das políticas públicas e dos instrumentos de fomento ao empreendedorismo inovador;

VII – promoção da cooperação e da interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas, como relações fundamentais para a conformação de ecossistema de empreendedorismo inovador efetivo;

VIII – incentivo à contratação, pela administração pública, de soluções inovadoras elaboradas ou desenvolvidas por startups, reconhecidos o papel do Estado no fomento à inovação e as potenciais oportunidades de economicidade, de benefício e de solução de problemas públicos com soluções inovadoras; e

IX – promoção da competitividade das empresas brasileiras e da internacionalização e da atração de investimentos estrangeiros.

O artigo 4º da Lei traz definições mais objetivas em relação à conceituação das startups, o que gera maior segurança aos empreendedores. São enquadradas como startups “as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”.

CONCEITO E REQUISITOS

A Lei, além de conceituar de forma objetiva o que são as startups, definiu quais os critérios necessários para o enquadramento para fins de sua aplicação. São elegíveis ao enquadramento como startup o empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades empresariais, as sociedades cooperativas e as sociedades simples que preencherem os seguintes requisitos:

  • Receita bruta de até R$ 16 milhões no ano-calendário anterior (ou R$ 1,333 milhão multiplicado pelos meses de atividade, para menos de 12 meses de operação).
  • Com até 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Para as empresas decorrentes de incorporação, será considerado o tempo de inscrição da empresa incorporadora; Para as empresas decorrentes de fusão, será considerado o maior tempo de inscrição entre as empresas fundidas; e para as empresas decorrentes de cisão, será considerado o tempo de inscrição da empresa cindida, na hipótese de criação de nova sociedade, ou da empresa que a absorver, na hipótese de transferência de patrimônio para a empresa existente.
  • Enquadramento no regime tributário especial Inova Simples (art. 65-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006) e/ou declaração no ato constitutivo de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços (inciso IV do caput do art. 2º da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004).

INSTRUMENTO DE INVESTIMENTOS EM INOVAÇÃO

O Capítulo III da Lei trata especificamente dos instrumentos de investimento em inovação. As disposições desse capítulo trazem maior segurança aos investidores, isso porque determina:

  • Que os aportes feitos, independentemente se por meio de pessoa física ou jurídica, não integram o capital social da startup.
  • Que a pessoa física ou jurídica somente será considerada quotista, acionista ou sócia da startup após a conversão do instrumento do aporte em efetiva e formal participação societária.
  • Que o investidor não será considerado sócio ou acionista nem possuirá direito a gerência ou a voto na administração da empresa, conforme pactuação contratual;
  • Que o investidor não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, e a ele não se estenderá o disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), no art. 855-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, nos arts. 124, 134 e 135 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e em outras disposições atinentes à desconsideração da personalidade jurídica existentes na legislação vigente.

Sendo assim, a nova Lei, ao dispor expressamente que os investidores não serão responsabilizados pelas dívidas, seja no âmbito das relações civis, trabalhistas ou tributárias, traz ao investidor maior segurança jurídica, claro que resguardada as hipóteses de dolo, de fraude ou de simulação com o envolvimento do investidor.

Ainda, segundo o Marco Legal das Startups, “as empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou de delegações firmadas por meio de agências reguladoras, ficam autorizadas a cumprir seus compromissos com aporte de recursos em startups por meio de fundos patrimoniais (Lei nº 13.800, de 4 de janeiro de 2019) destinados à inovação, e fundos de Investimento em Participações (FIP), autorizados pela CVM”.

Esses fundos de investimentos e patrimoniais serão considerados investidores anjos, sendo que ato do Poder Executivo federal regulamentará a forma de prestação de contas do FIP, do fundo patrimonial ou da instituição pública que receber recursos nos termos da Lei e a fiscalização das obrigações legais ou contratuais de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

PROPRIEDADE INDUSTRIAL

O Marco legal alterou alguns dispositivos da LEI COMPLEMENTAR Nº 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006. O parágrafo oitavo do art. 65-A foi alterado para constar que o exame dos pedidos de patente ou de registro de marca que tenham sido depositados por empresas participantes do Inova Simples deverá ser realizado em caráter prioritário, trazendo um impacto direto no tema da Propriedade Industrial, tendo em vista que concede às startups ou empresas de inovação um tratamento diferenciado e mais célere.

Importante mencionar sobretudo que, em relação às patentes, o INPI se antecipou à edição do marco legal, já que, em julho de 2020, regulamentou o exame prioritário de pedidos depositados por startups do Inova Simples, através do art. 10 da Portaria/INPI/PR 247/2020.

LICITAÇÃO

O marco legal trouxe ainda maior flexibilidade para contratação de startups com a Administração Pública por meio de um processo licitatório mais flexível, baseada na apresentação de um problema que exija solução inovadora com emprego de tecnologia, com intuito de promover a inovação no setor produtivo por meio do uso do poder de compra do Estado.

A delimitação do escopo da licitação poderá restringir-se à indicação do problema a ser resolvido e dos resultados esperados pela administração pública, incluídos os desafios tecnológicos a serem superados, dispensada a descrição de eventual solução técnica previamente mapeada e suas especificações técnicas, cabendo aos licitantes proporem diferentes meios para a resolução do problema.

O edital precisa ser divulgado com, ao menos, 30 dias de antecedência até o recebimento das propostas, em site centralizado para divulgação de licitações e no Diário Oficial. As propostas serão julgadas por, no mínimo, três pessoas idôneas, sendo que um deles deve ser servidor público e outro professor de instituição pública de ensino superior da área, utilizando-se dos seguintes critérios:

  • Potencial de resolução do problema pela solução proposta;
  • Grau de desenvolvimento da solução proposta;
  • Viabilidade e a maturidade do modelo de negócio da solução;
  • Viabilidade econômica da proposta, considerados os recursos financeiros disponíveis para a celebração dos contratos;
  • Demonstração comparativa de custo x benefício em relação às opções equivalentes.

Após a homologação do resultado da licitação, o Marco também delimita o chamado Contrato Público para Solução Inovadora que contém formas contratuais convenientes ao modelo de negócio em questão, inclusive com a possibilidade de o empreendimento não dar certo – o que é comum no universo das startups.

O Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI) resultante terá vigência limitada a 12 meses, prorrogável por até mais 12 meses e o valor máximo a ser pago à contratada será de R$ 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil reais) por CPSI, sem prejuízo da possibilidade de o edital estabelecer limites inferiores.

Após esse contrato, a administração pública poderá celebrar com a startup, sem nova licitação, a contratação para o fornecimento do produto, do processo ou da solução resultante do CPSI ou, se for o caso, para integração da solução à infraestrutura tecnológica ou ao processo de trabalho da Administração Pública. De modo resumido: o período de teste é de 12 meses e, caso funcione, a startup pode ser recontratada para escalar a produção com dispensa de licitação.

A vigência do contrato de fornecimento será limitada a 24 (vinte e quatro) meses, prorrogável por mais um período de até 24 (vinte e quatro) meses e o valor máximo a ser pago à contratada será de 5 (cinco) vezes o valor máximo definido para o CPSI (R$ 8.000.000,00 (oito milhão e seiscentos mil reais), podendo ser ultrapassado nos casos de reajuste de preços e dos acréscimos de que trata o § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

SANDBOX REGULATÓRIO

No capítulo 5 do Marco legal das startups, há a previsão de incentivo aos “programas de ambiente regulatório experimental”. Os “SANDBOX regulatórios” são espaços de experimentação para startups que estejam criando soluções que não se encaixam nas regulamentações vigentes. Criam-se espaços de experimentação onde as restrições regulatórias são menores e onde a operação daquela startup esteja em um ambiente controlado e isolado, com isso, permitindo o desenvolvimento dessa inovação sem as fortes amarras regulatórias, já que a legislação costumeiramente está mais atrasada que os projetos inovadores.

A Lei conceitua os SANDBOX como “conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado”.
No Brasil já existem 3 Sandbox diferentes, um da SUSEP (regulamentado pela Resolução nº 381, de 4 de março de 2020), outro da CVM (regulamentado pela Instrução CVM nº 626, de 15 de maio de 2020) e outro do banco central (regulamentado pelas Resoluções CMN 4.865 e 4.866 e da Resolução BCB 29.)

Os princípios do SANDBOX regulatório do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários e da Superintendência de Seguros Privados são similares, porém essas autoridades possuem competências legais distintas, aplicáveis aos seguintes âmbitos:

  • BC: sistemas financeiro e de pagamento;
  • CVM: mercado de capitais; e
  • Susep: mercado de seguros privados.

O Marco legal prevê que os órgãos e as entidades da Administração Pública com competência de regulamentação setorial poderão, individualmente ou em colaboração, no âmbito de programas de ambiente regulatório experimental (SANDBOX regulatório), afastar a incidência de normas sob sua competência em relação à entidade regulada ou aos grupos de entidades reguladas. O órgão ou a entidade disporá sobre o funcionamento do programa de ambiente regulatório experimental e estabelecerá os critérios para seleção ou para qualificação do regulado; a duração e o alcance da suspensão da incidência das normas e as normas abrangidas.

O incentivo ao SANDBOX regulatório visa promover maior inovação e concorrência e ao mesmo tempo proteger a sociedade dos potenciais riscos envolvidos.

 

Autoria: Equipe Negócios Jurídicos