MOSAICO INTERATIVO DE IDEIAS: UMA REFLEXÃO CONJUNTA ACERCA DAS HERANÇAS QUE A PANDEMIA COVID-19 DEIXARÁ PARA O FUTURO DA HUMANIDADE.

A pandemia da Covid-19 afetará cada ser dentro de suas individualidades; as pessoas a vivenciarão de formas distintas, levando em consideração suas próprias experiências, valores, sua classe social, o círculo social em que se inserem e as consequências individuais para cada um, a exemplo da perda de um parente querido ou não, do enfrentamento de efetiva dificuldade financeira, ou não. 

O que é certo afirmar, é que, diante do inimigo comum (a pandemia), todos os seres, cada qual dentro de suas particularidades, irão, de fato, refletir sobre poucos ou muitos aspectos que, no estado natural da vida cotidiana, não refletiriam.  

A reflexão pura, portanto, concentra o ser sobre si próprio, suas representações, ideias, conceitos, sentimentos e experiências e é, certamente, um exercício valiosíssimo para o crescimento individual.

Contudo, praticar exclusivamente a reflexão pura, ainda que valioso, é como descobrir a cura de uma doença e guardá-la para si. Enquanto permanecermos apenas na reflexão, qualquer compreensão de mundo será frágil e, por isso, é preciso ampliá-la.

Ainda mais valiosa, portanto, é a reflexão conjunta, o diálogo, que se apresenta como uma observação cooperativa da experiência, conceituada brevemente como “uma metodologia de conversação que visa melhorar a comunicação entre as pessoas e a produção de idéias novas e significados compartilhados. Ou, posto de outra forma: é uma metodologia que permite que as pessoas pensem juntas e compartilhem os dados que surgem dessa interação sem procurar analisá-los ou julgá-los de imediato”.

Logo, o presente mosaico de ideias que lhes apresento é apenas um “compartilhar” breve de algumas reflexões individuais (baseadas na visão de mundo de quem vos escreve), com o intuito de transcender à individualidade de ideias através do diálogo, formando, dessa forma, uma reflexão conjunta sobre os temas abordados.

O medo e a instabilidade que o momento atual provoca já é uma convicção. Diante dessa premissa, porque não dialogar sobre a herança positiva que essa situação excepcional e extrema, pode, porventura, nos proporcionar?

Pois bem, a história nos mostra que eventos como o que hoje nos acomete (pandemias e pragas), são cíclicos. Significa dizer que já ocorreram outras vezes na história da humanidade, a exemplo da Peste Negra, trágica pandemia que atingiu o continente Europeu nos anos de 1340 e 1400, a pandemia causada pela gripe espanhola, que foi severa entre 1918 e 1920, a gripe asiática, ocorrida no final da década de 50, dentre outras, até chegarmos nos dias atuais com o novo Coronavírus, o que nos leva a crer que certamente vivenciaremos outras no futuro.

A tentativa de definir um conceito, mudar um paradigma ou realizar ações que busquem melhorar a vida humana, desvinculada de um estudo e observação aprofundada da nossa história, é sempre um desafio ao investigador da realidade e não produz os melhores frutos.

A capacidade humana de contar a sua própria história no decorrer das gerações nos mostra ser um dos presentes mais precioso que a razão humana nos proporciona, porque é através da investigação da nossa própria história que podemos evitar a repetição de erros, assim como manter os acertos e aperfeiçoá-los. Somos os únicos animais do nosso mundo que possuem essa capacidade, e, por esse motivo, temos a responsabilidade de usá-la. 

As grandes pandemias da humanidade, assim como a Covid-19, foram uma consequência da interação humana com os animais não-humanos, apesar de ainda não conhecermos ao certo a espécie animal intermediária desta atual pandemia. 

Inegavelmente, este fato nos faz questionar nossa relação com os animais e o meio ambiente, e a forma de dominação humana perante esses. A principal visão ética ambiental aplicada atualmente baseia-se no antropocentrismo moderado, na qual o universo é visto e pensado de acordo com a perspectiva humana, estabelecendo forte linha divisória entre animais-humanos e não humanos, concedendo aos primeiros a possibilidade de dominação, limitada a percepção de que os recursos naturais não são infinitos e eternos.

Este poderia, então, ser o primeiro ponto para a mudança de paradigma, sob a perspectiva de aprendizado através da observação do caminho histórico da humanidade: A forma como nos relacionamos com a natureza e quais as consequências que essa interação nos traz. 

  • Visualizamos o primeiro possível legado positivo que a atual pandemia pode nos proporcionar: o questionamento sobre a nossa interação com a natureza sob o foco da própria proteção à espécie humana, bem como pelo respeito às outras formas de vida.

Um evento calamitoso bota em cheque não só a interação com a natureza, mas também a relação entre os seres humanos. A pandemia do Coronavírus obrigou a tomada de medidas excepcionais, como o isolamento social e o fechamento de estabelecimentos comerciais, tocando, assim, todos os domínios da sociedade humana, de forma a desorganizá-la, a tirá-la do “conforto”, revelando fraquazes ocultas e botando à prova os comportamentos humanos.

Correntes solidárias começaram a surgir, grupos antes ignorados começaram a ser vistos. Ações visando a proteção de moradores de rua através de doações de alimentos e produtos de higiene e movimentos, visando a proteção de pequenas empresas mediante estímulos para o consumo dos serviços fornecidos por estas2, são apenas alguns exemplos do reforço dos laços de solidariedade que surgem como consequência de um inimigo em comum.

Aprendemos, portanto, que não somos individuais, reforçando a visão aristotélica do homem como animal político, que vive na polis e que responde aos dramas e as dores da poli. 

  • Visualizamos o segundo possível legado positivo que a atual pandemia pode nos proporcionar: a solidariedade, cooperação e a valorização das relações humanas. 

Sob o prisma do Direito, onde se lê pandemia, leia-se provável restrição das liberdades e direitos fundamentais, como o direito à liberdade de ir e vir e à livre iniciativa, dentre outros que a nossa Constituição assegura.

A gramática da vigilância epidemiológica compreende a quarentena, a limitação ou interdição de viagens, o recrudescimento do controle fronteiriço ou mesmo o fechamento de fronteiras, a imposição de isolamento social, a restrição ou supressão de reuniões públicas, a vacinação obrigatória, ou até ingerências no modo como se realizam os funerais.

O Estado de exceção, conceituado como sendo um estado extraordinário e temporário, de indeterminação entre a democracia e o absolutismo, previsto pela Constituição do Brasil e decretado em casos de ameaça à ordem pública ou à paz social, atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza ou ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional, evidencia o incômodo de ter cerceados os seus direitos. 

  • Visualizamos o terceiro possível legado positivo que a atual pandemia pode nos proporcionar: valorização da domocracia e a garantia dos direitos fundamentais, nos relembrando da importancia de evitar repetir momentos históricos de repressão desses direitos. 

Assim sendo, o tempo presente nos parece mais propenso ao renascimento da interrogação moral e social do sistema até então estabelecido. Surgem reflexões acerca das desigualdades sociais ao levantar o manto que acobertava as insuficiencias institucionais. 

A crise causada pelas medidas tomadas frente à pandemia afeta de forma distinta as classes sociais quando analisadas pela perspectiva da capacidade de acesso à tecnologia, da viabilidade de isolamento social em uma residência carente superlotada, dos trabalhos informais, das condições sanitárias precárias, dentre inúmeras outras. Muitas destas questões sempre existiram, mas tomam maior evidencia em momento excepcionais.

  • Visualizamos o quarto possível legado positivo que a atual pandemia pode nos proporcionar:  renascimento de questionamentos face ao sistema social estabelecido e a expansão da consciência quanto às desigualdades sociais.

Em tempos de Coronavírus, as pessoas se viram obrigadas a aprender a utilizar com mais efetividade ferramentas tecnológicas através de uma experiência maciça de educação à distância, “home office”, reuniões e consultas médicas por vídeo chamada, retratando a tecnologia como uma experiência possível. 

Toda crise é uma mudança e, como tal, pode se transvestir em oportunidade e quebra de paradigmas, para se reinventar, para empreender em novos ramos.

  • Visualizamos o quinto possível legado positivo que a atual pandemia pode nos proporcionar: a criatividade, a desestagnação e o espaço para novos empreendimentos.

A tecnologia, porém, quando vista pela sua esfera digital, pode trazer consigo novos problemas, que são ainda mais evidenciados em momentos de instabilidade: as “Fake News”, que significa a divulgação de informações falsas, sem embasamento científico ou comprovação. 

Nunca antes na história da humanidade o acesso à informação foi tão rápido, fácil e volumoso. Em tempos onde o medo é instalado por consequência da instabilidade social em suas mais variadas esferas, a “Fake News” possui um poder destruidor. 

O Ministério da Saúde disponibilizou em seu site uma página dedicada a informações sobre o Coronavírus em combate às “Fake News”. 

  • Visualizamos o sexto possível legado positivo que a atual pandemia pode nos proporcionar: a necessidade de filtrar as informações, checando sempre sua origem a fim de evitar o compartilhamento de informação falsa.

Por fim, a pandemia escancara a relevância e essencialidade da comunidade científica, que a ciência se faz a longo prazo e não apenas para atender ao imediatismo. Conhecimento é poder, e também solução.

Formado, portando, o mosaico interativo de ideais, que busca uma reflexão conjunta para favorecer o processo de aprendizado social-histórico, no sentido de um aprender com os erros, manter os acertos e aperfeiçoá-los, buscar novas dimensões prático-morais e tentar manter, para além do imediatismo, os aprendizados que eventos excepcionais como esse nos proporciona, para criar, de fato, um legado positivo.

Rita Carolina M. Korndörfer

Advogada do Negócios Jurídicos


Conheça a campanha Legado da Covid-19, uma série de artigos elaborados pela equipe Negócios Jurídicos em colaboração com os nossos parceiros.