MARCO LEGAL DAS STARTUPS

No último dia 20/10/2020 o Poder Executivo apresentou perante o Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 249/2020, que institui o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, além de promover alterações na Lei nº 6.404/1976 (Lei das S/A’s) e na Lei Complementar nº 123/2006 (Simples Nacional).

O tema, contudo, não é novidade no Congresso Nacional, em que pese a sinalização de que agora passará a ser uma prioridade para o Poder Executivo. No Senado existem outros projetos em tramitação que conferem apoio ao desenvolvimento de startups. Um deles, tido como um dos mais abrangentes, é o PL nº 2.831/2020, da senadora Leila Barros (PSB-DF), que concede incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. Outro projeto, também no Senado, é o PL nº 3.466/2019, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que visa criar o Fundo de Financiamento às Empresas Startups (FiStart), com a finalidade de constituir recursos para o financiamento de projetos de inovação em empresas nascentes intensivas em conhecimento.
A Secretaria Geral da Presidência da República destaca que o texto busca simplificar a criação de empresas inovadoras, estimular o investimento, fomentar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação e facilitar a contratação de soluções inovadoras pelo Estado.

De acordo com uma matéria publicada no Latin America Business Stories – LABS (site bilíngue de notícias com foco em economia, negócios, tecnologia e grandes tendências de comportamento da região), “O número de startups cadastradas no país, segundo dados da ABStartups, cresceu mais de três vezes nos últimos 5 anos, passando de 4151 empresas em 2015, para 13310 neste ano.”.

A criação do marco legal das startups e do empreendedorismo inovador surge em um momento delicado em função da pandemia, onde pautas voltadas à retomada econômica ganham especial atenção. Ainda segundo a mesma matéria, “Já em relação a volume de investimento, só em setembro foram investidos US$ 843 milhões em startups brasileiras, distribuídos em 37 rodadas — um aumento de 65% em relação ao ano passado, e 803% quando comparado a 2018. Os dados são da plataforma de inovação Distrito. No consolidado do ano, os investimentos nas empresas do setor chegaram a US$ 2.2 bilhões distribuídos em 322 aportes.”.

O objetivo, segundo a exposição de motivos do PLP nº 249/2020, é “apoiar o desenvolvimento do empreendedorismo inovador e alavancar o ecossistema de startups no Brasil”, na medida em que “que são empresas: (I) com grande potencial econômico; (II) mais expostas e vulneráveis às falhas de mercado e às limitações das políticas públicas; (III) que tendem a operar com bases digitais, em um contexto de crescente digitalização da economia; (IV) predispostas à internacionalização, inclusive com potencial de atração de investimentos estrangeiros; (V) geradoras líquidas de posições de trabalho; (VI) propensas a desenvolver soluções sustentáveis e com impactos positivos no meio ambiente, mostrando-se em geral inclusivas”.

De acordo com a exposição de motivos, o público-alvo do projeto de lei compreende dois grupos, um em âmbito individual das empresas identificadas como startups e outro no ecossistema do empreendedorismo inovador, o qual entende-se como o “conjunto de atores interconectados, públicos ou privados, assim como os processos que concorrem, formal ou informalmente, para conectar, mediar ou estabelecer o desempenho do ecossistema empreendedor”.

Os principais objetivos, conforme consta do texto do PLP nº 249/2020 (art. 1º) são os seguintes:

• Estabelecer os princípios e as diretrizes para a atuação da administração pública no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
• Fomentar o ambiente de negócios e o aumento da oferta de capital para investimento em empreendedorismo inovador;
• Disciplinar a licitação e a contratação de soluções inovadoras pela administração pública.

O PLP nº 249/2020 conceitua as startups como organizações empresariais nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelos de negócios ou a produtos ou serviços ofertados (art. 3º). Pode ser o empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades empresárias e as sociedades simples, desde que necessariamente (art. 3º, § 1º):

• Possuam faturamento bruto anual de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior ou de R$ 1.333.334,00 (um milhão trezentos e trinta e três mil trezentos e trinta e quatro reais) multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a doze meses, independentemente da forma societária adotada;
• Possuam até seis anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; e
• Além disto, devem atender a pelo menos um dos seguintes requisitos:

a) declaração, em seu ato constitutivo ou alterador, e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços, nos termos do disposto no inciso IV do caput do art. 2º da Lei nº 10.973/2004; ou
b) enquadramento no regime especial Inova Simples, nos termos do disposto no art. 65-A da Lei Complementar nº 123/2006.
Outro ponto interessante do PLP nº 249/2020 é a normatização dos instrumentos de investimento em inovação que trata do aporte de capital. O texto do projeto prevê expressamente que as startups poderão admitir aporte de capital, por pessoa física ou jurídica, que não integrará o capital social da empresa, por meio dos seguintes instrumentos (art. 4º):

• Contrato de opção de subscrição de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e a empresa;
• Contrato de opção de venda de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e os acionistas ou sócios da empresa;
• Debênture conversível emitida pela empresa nos termos do disposto na Lei nº 6.404/1976;
• Contrato de mútuo conversível em participação societária celebrado entre o investidor e a empresa;
• Estruturação de sociedade em conta de participação celebrada entre o investidor e a empresa; e
• Outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor, pessoa física ou jurídica, não integre o capital social da empresa.

Destaca-se, ainda acerca do aporte de capital, que o PLP nº 249/2020 também prevê expressamente que o investidor que realizar o aporte de capital (art. 6º):

• Não será considerado sócio nem possuirá direito à gerência ou a voto na administração da empresa, mas poderá participar nas deliberações em caráter estritamente consultivo, conforme pactuação contratual;
• Não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, e não se estenderá a ele o disposto no art. 50, do Código Civil, no art. 855-A, da Consolidação das Leis do Trabalho, e outras disposições atinentes à desconsideração da personalidade jurídica existentes na legislação vigente.
Essa regulamentação visa conferir uma maior segurança jurídica aos investidores, o que é de suma importância no ecossistema das startups, eis que a captação de recursos depende fortemente dos investimentos.
Importante notar que não há menção expressa às questões relativas aos débitos tributários, em que pese a proteção conferida pretenda ser suficientemente abrangente. Aliás, de forma geral o PLP nº 249/2020 não trata de políticas de equiparação tributária e estímulo fiscal.

O PLP nº 249/2020 também autoriza o aporte de capital através de empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou delegações firmadas por meio de agências reguladoras, por meio de:

• Fundos patrimoniais de que trata a Lei nº 13.800/2019, voltados à inovação, na forma do regulamento; e
• Fundos de Investimento em Participações – FIP, autorizados pela CVM, nas categorias:

a) capital semente;
b) empresas emergentes; e
c) empresas com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Outro ponto que se destaca no PLP nº 249/2020 é uma medida de desburocratizar os programas de ambiente regulatório experimental, traduzido como “o conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos e das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado” (art. 9º, § 2º).
Com isto, os órgãos e as entidades da administração pública com competência de regulamentação setorial poderão, individualmente ou em colaboração, no âmbito de programas de ambiente regulatório experimental, afastar a incidência de normas sob sua competência em relação à entidade regulada ou aos grupos de entidades reguladas.

No âmbito das licitações, as finalidades do PLP nº 249/2020 foram destacadas como sendo as seguintes (art. 10):

• Resolver demandas públicas que exijam solução inovadora com emprego de tecnologia; e
• Promover a inovação no setor produtivo por meio do uso do poder de compra do Estado.

Foi conferida a possibilidade de administração pública contratar pessoas físicas ou jurídicas, isoladamente ou em consórcio, para o teste de soluções inovadoras por elas desenvolvidas ou a ser desenvolvida, com ou sem risco tecnológico, por meio de licitação na modalidade especial regida pelo próprio PLP nº 249/2020 (art. 11). Destaca-se que, com o objetivo de fomentar o ecossistema de startups, foi facultado à administração pública restringir a participação nas licitações somente para empresas enquadradas como startups (§ 1º do art. 11).

Ainda com relação às licitações, foi conferida à administração pública a possibilidade de prever em edital o pagamento antecipado de uma parcela do preço anteriormente ao início da execução do objeto, mediante justificativa expressa. Esta hipótese deverá ocorrer especialmente caso seja necessário garantir os meios financeiros para que a startup contratada implemente a etapa inicial do projeto (Art. 12, § 7º).

Esta importante medida reflete a preocupação em adaptar realidade financeira das startups e em viabilizar os projetos, além de promover a aproximação do ecossistema inovador com a administração pública.

Além dos destaques do texto do PLP nº 249/2020 vistos acima, há também as alterações que pretende promover na Lei nº 6.404/1976 (Lei das S/A’s) e na Lei Complementar nº 123/2006 (Simples Nacional).

Dentre as alterações na Lei nº 6.404/1976, destaca-se a possibilidade de substituição dos livros previstos no caput do art. 100 por registros mecanizados ou eletrônicos para companhias abertas, observadas as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como para companhias fechadas com menos de trinta acionistas, com receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais). Para estas companhias fechadas ainda foi conferida a possibilidade de realizar as publicações de forma eletrônica, tornando mais simples e barato a sua manutenção (art. 14).

Outro ponto bastante relevante das alterações promovidas na Lei nº 6.404/1976 é a criação de condições facilitadas para o acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais, além da possibilidade de se dispensar ou modular a observância a uma série de obrigações formais típicas das S/A’s, visando com isto uma simplificação das sociedades anônimas.

Com relação às alterações promovidas na Lei Complementar nº 123/2006 (Simples Nacional), o grande destaque é para a o investidor-anjo, cujo texto assegura que “não será considerado sócio nem terá qualquer direito a gerência ou voto na administração da empresa, resguardada a possibilidade de participação nas deliberações em caráter estritamente consultivo, conforme pactuação contratual” (art. 15). Esta disposição veio para reforçar que o investidor-anjo não poderá responder com seu patrimônio por eventuais dívidas trabalhistas, tributárias ou fruto de processos de fechamento ou recuperação judicial das startups.

Contudo, apesar do avanços, a Associação Brasileira de Startups (ABStartups) destacou em uma publicação em seu blog que “alguns pontos definidos no documento inicial acabaram não ficaram na versão final do projeto. Tópicos como questão tributária e trabalhistas discutidas anteriormente, que incluíam a possibilidade de sociedades anônimas (SA) usarem o regime tributário do Simples, compensação dos tributos de ganho de capital para investidores anjo, por exemplo, não foram citados.”.

Ao PLP nº 249/2020 foi atribuído regime de tramitação prioritária pela mesa diretora da Câmara dos Deputados, que determinou o apensamento do projeto ao PLP nº 146/2019, que trata das startups e de medidas de estímulo à criação dessas empresas, o qual encontra-se em etapa mais avançada de tramitação, aguardando parecer do relator na comissão especial.

 

Autoria: Fernanda Macagnan

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