Epidemias de vírus não são novidade na história da humanidade, variando apenas a estrutura do patógeno, origem e dimensão da infecção.
A pandemia de gripe mais repercutida na história recente da humanidade ficou conhecida como gripe espanhola ou gripe de 1918 e teve como agente o vírus influenza H1N1.
De janeiro de 1918 a dezembro de 1920 a gripe espanhola infectou em torno de 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial na época e estima-se que o número de mortos possivelmente tenha chegado até 100 milhões, tornando-a uma das epidemias mais mortais da história da humanidade, matando mais que as duas guerras mundiais juntas.
Importante referir que a pandemia do passado não começou na Espanha, apesar de seu nome. O que ocorre é que esse país era um dos poucos que contava com imprensa relativamente livre, sendo uma das poucas a noticiar o aumento do número de casos e de mortes, o que gerou esse estigma que perdura até hoje. Quanto à origem, não se sabe ao certo onde foi o início do problema, mas a maior suspeita recai sobre Kansas, nos Estados Unidos.
Ao que nos importa é que em 1918 a população da terra era estimada em 1,9 bilhões e que nem se imaginavam os efeitos da globalização atual com a interligação intensa de todos continentes através de inúmeros voos e navegações. E mesmo assim a gripe se espalhou por todos continentes em 1918.
Imagina-se que tenha contribuído para a disseminação da gripe o retorno dos soldados às suas casas após o término da guerra.
No interim entre a gripe espanhola e a covid-19, outras três pandemias ocorreram: Gripe Asiática em 1957, Gripe de Hong Kong (H3N2) em 1968-1969 e Gripe Suína (H1N1) em 2009.
Considerando a história e pesquisas científicas, a ocorrência de novas pandemias é esperada. Só não se sabe quando, onde irá iniciar, qual será o patógeno e consequente extensão da infecção.
Também há que se levar em conta que atualmente os países e continentes estão mais interligados do que nunca. Não só economicamente, culturalmente ou através da transmissão de dados, mas também mortalmente, estando aí a covid-19 para nos mostrar.
A pandemia da covid-19 é uma realidade, assim como seu impacto negativo, mas não se pode dizer que a chegada de uma epidemia seria surpresa.
O homem impacta o meio ambiente e como consequência patógenos são transmitidos da espécie animal para o ser humano que agride cada vez mais o habitat natural das demais espécies forçando a migração destas para proximidades de centros urbanos.
Ocorre que apesar da história não iludir sobre a probabilidade do surgimento de uma doença mortal capaz de se espalhar ao redor do mundo, o homem, com sua soberba, mitigou essa possibilidade e não se preparou para enfrentar uma epidemia de nível global, o que nos faz ter de correr contra o tempo e avanço da doença a fim de criar a mínima viabilidade de atendimento dos infectados através de um “achamento da curva de transmissão” por meio da imposição do isolamento social já utilizado quando da ocorrência da gripe espanhola.
No entanto, precisamos aprender com os acontecimentos que por mais assustadores que possam parecer num primeiro momento, sempre nos trazem algum ensinamento se buscarmos um olhar mais abrangente da situação.
Considerando a relação de cada pessoa com o mundo, penso que a pandemia mostrará primeiramente que o homem não pode se considerar dono de um planeta em que ele é apenas mais um habitante. Temos que ter respeito pelo meio ambiente e não menosprezar a possibilidade do alastramento a nível mundial de uma doença mortal, ainda mais considerando o nível mundial da interação humana existente.
Além disso, cabe refletir que empatia e solidariedade são práticas necessárias não só durante momentos de crise, mas no dia a dia. O alastramento da pandemia deixou bem claro que não basta uma pessoa estar a salvo da contaminação e possuir os suprimentos necessários se as pessoas no entorno estiverem à mercê de infeção ou carentes do mínimo para sua subsistência. As pessoas, apesar de estarem em situações diversas, ainda estão vivendo a mesma realidade, ou seja, apesar de admitir-se que pessoas possam estar em “ondas diferentes”, ainda estão no mesmo “mar”.
Em decorrência da imposição de distanciamento social para frear a contaminação pela covid-19, pessoas que sequer tinham intimidade com formas de conectividade virtual conheceram e aprenderam a se conectar através de inúmeras plataformas que, em solidariedade com o momento atual, disponibilizaram a utilização de seus benefícios ao público em geral.
Outro aspecto interessante que a pandemia impôs à sociedade foi a desaceleração do consumo em razão da necessidade de permanecer em casa, o que fez com que redescobríssemos objetos que já possuímos ou reinventássemos antigos hábitos como consertar algo, plantar e acompanhar o crescimento de uma mudinha, ler livros que nos aguardavam há tempos, rever filmes ou mesmo apreciar o singelo ingresso de um raio de sol pelas frestas da janela.
A pandemia também reforçou a adoção do trabalho remoto que já crescia nos últimos anos. Em decorrência da covid-19, grandes empresas como Amazon, Facebook, Google e Microsoft incentivaram os funcionários a trabalhar remotamente. Às empresas que podem organizar suas estruturas e processos de modo a viabilizar o trabalho remoto, tal opção se tornou útil e eficaz, podendo ser uma oportunidade de reorganizar a forma como a prestação do serviço é entregue por seus colaboradores.
Na esteira do legado da desaceleração do consumo e do trabalho remoto, outro ponto a ser observado é o fato de que o isolamento social em muito reduziu a poluição. É de conhecimento público que a poluição do ar é causa impactante no número de mortes, estimando a Organização Mundial de Saúde uma taxa global de 7 milhões.
A desaceleração da economia trazida pela imposição de isolamento social em decorrência da pandemia fez regredir rapidamente a poluição do ar, a concentração de dióxido de carbono, a redução do ruído e trouxe uma melhoria na qualidade de vida nas cidades.
Cidades como São Paulo, Nova Delhi, Nova York e países como China e Itália registraram redução no nível de poluição após a adoção de medidas de contenção da covid-19 como a quarentena. O caso mais emblemático dos efeitos positivos da quarentena em relação ao meio ambiente foi a verificação da diminuição da poluição nos canais de Veneza que se mostraram límpidos após a diminuição do tráfego de embarcações.
Considerando os inúmeros legados da pandemia da covid-19, penso que a diminuição da poluição reflete as consequências de grande parte das medidas tomadas para conter o avanço do vírus. Além disso, a diminuição da poluição demonstra que a mudança nos hábitos de consumo, a redução no uso de combustíveis fósseis e uma nova dinâmica na produção de bens e serviços pode produzir resultados duradouros e benéficos para a humanidade e o planeta.
Também não podemos ignorar que o vírus teve origem da interação humana com um animal e que as pandemias provenientes de zoonoses nada mais são que um reflexo das intervenções do homem no meio ambiente que, no anseio para se expandir, invade o terreno animal, como anteriormente pontuado.
Assim, anseio que o impacto da covid-19 seja cultural e impacte na construção de uma nova forma de ver o mundo, especialmente em relação ao meio ambiente, uma vez que a intervenção humana é causa de diversos problemas ambientais. Espero que quando as rédeas de nossa existência forem retomadas possamos reinventar a forma como lidamos com o mundo, atribuindo mais respeito ao trabalho (especialmente o científico), ao meio ambiente e às condições humanas.
Daniela Redemske
Advogada do Negócios Jurídicos