A Lei Complementar nº 116, de 2003, em seu artigo 2º, inciso I, prevê que o Imposto sobre Serviços não incidirá sobre as receitas de exportações de serviços para o exterior do País.
Contudo, citado dispositivo não define o conceito de “serviço exportado”, limitando-se, em seu parágrafo único, a estabelecer que não se enquadram nessa isenção as receitas que decorram de serviços cujo resultado se verifique no Brasil, ainda que o pagamento por sua contratação seja realizado a residente no exterior.
Pelo fato de a LC 116/03 não definir o que seria o termo “serviço exportado”, apenas condicionando a isenção do ISS à verificação do local do resultado do serviço, a questão sobre a não incidência de ISS sobre receitas de exportação de serviço gera discussões, especialmente no que se refere ao conceito de “resultado do serviço”.
Tratando-se de controvérsia sobre a intepretação de dispositivo de Lei Complementar, coube ao Superior Tribunal de Justiça consolidar a interpretação da norma.
Ocorre que os precedentes do Superior Tribunal de Justiça sobre esta matéria não adotam a mesma conclusão, o que demanda a necessidade da análise dos principais julgados sobre a matéria.
O julgamento do Recurso Especial 831.124/RJ, pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em outubro de 2006, é considerado o marco inicial do enfrentamento da matéria pela Corte.
No caso concreto analisado, o contribuinte impetrou mandado de segurança em face do Fisco municipal do Rio de Janeiro visando o reconhecimento da não incidência do ISSQN sobre os serviços de retificação, reparo e revisão de motores e turbinas de aeronaves, contratadas por empresas estrangeiras.
O julgamento do REsp 831.124/RJ, acabou por vincular o resultado do serviço à sua execução, independentemente da análise de onde ocorreram os seus efeitos (utilidade), de modo a reforçar a insegurança jurídica inaugurada pela Lei Complementar 116/03.
Dez anos depois, uma outra composição da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça revisitou o tema e alterou o entendimento anterior através do julgamento do AREsp 587.403, no qual foi improvido o Recurso Especial do município de Porto Alegre, de modo a confirmar o acórdão recorrido que tinha decidido pela não incidência do ISSQN na elaboração de projeto de engenharia para tomador estrangeiro, uma vez que se referia a obra a ser realizada em outro país (França).
A Turma reconheceu que, apesar de o projeto ter sido concluído no Brasil, a intenção de sua execução somente poderia ocorrer na França, adotando o critério de fruição do serviço.
O contexto de evolução jurisprudencial para consolidação do entendimento e maior segurança jurídica foi reforçado com o julgamento, em 2019, do AgInt no AREsp 1.446.639, pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no qual já sendo reconhecida a prevalência do conceito de “resultado-utilidade”, foi examinada a controvérsia através da análise da ocorrência da utilidade total ou preponderantemente no exterior ou no Brasil
A dificuldade de se avaliar onde ocorreu a efetiva utilidade do serviço ficou configurada no julgamento do AREsp 1.150.353/SP, pela Primeira Turma, em maio de 2021, onde foi analisado se haveria ou não a isenção do ISSQN no serviço de gestão de um fundo estrangeiro, por empresa brasileira.
No julgado de 2021 prevaleceu o voto do Relator Ministro Gurgel de Faria de que “resultado do serviço prestado por empresa sediada no Brasil de gestão de carteira de fundo de investimento, ainda que constituído no exterior, realiza-se no lugar onde está situado seu estabelecimento prestador, pois é nele que são apurados os rendimentos (ou prejuízos) decorrentes das ordens de compra e venda de ativos tomadas pelo gestor e que, desde logo, refletem materialmente na variação patrimonial do fundo.”
O Ministro Napoleão Nunes apresentou voto favorável ao contribuinte por entender que os efeitos da gestão do fundo ocorrem no exterior, onde serão absorvidos os ganhos e perdas decorrentes.
Esse julgado, apesar de nos votos os Ministros declararem a aplicação do conceito do resultado-utilidade, traz preocupação com relação à efetiva solidificação do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, pois foi dada grande relevância, na avaliação do caso concreto, ao local da conclusão do serviço e estabelecimento prestador, muito pela especificidade do tipo de serviço prestado (gestão de fundo de investimentos).
É possível notar que a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve, de forma geral, o entendimento de que deve ser analisado o local de fruição do serviço para definição de onde ocorre seu resultado. Porém, em algumas passagens dos votos proferidos, são vistos sinais de eventual retorno à ideia de que o resultado estaria atrelado ao local da mera conclusão do serviço e estabelecimento do prestador.
Em vista dos julgados recentes, da Segunda e Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, verifica-se que a discussão sobre quais requisitos devem estar presentes para ocorrer a exportação de serviços para fins de isenção de ISS não está pacificada, havendo, inclusive, sinalização de eventual retorno à ideia antes superada, de que o resultado do serviço estaria atrelado ao local de seu prestador.
Desta forma, o atual estágio da jurisprudência das duas turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, se faz importante a análise de cada caso em que relacionada a prestação de serviços com o exterior, tornando ainda mais recomendável que os contribuintes se antecipem a eventuais fiscalizações municipais e documentem muito bem o tipo de serviço que será realizado, eventualmente com a inclusão de anexos específicos a contratos e documentos de suporte.
É importante que essas cautelas sejam seguidas e adaptadas da melhor forma para cada caso, já que, como visto acima, as discussões sobre a existência ou não de exportação de serviços para fins de ISS envolvem a análise pormenorizada de fatos e documentos, na havendo, por ora, sinalização sobre consolidação de entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Daniela Redemske