EXIGÊNCIA DE EXAME DE GRAVIDEZ NA DEMISSÃO

A legislação brasileira garante estabilidade às empregadas gestantes, com garantia da manutenção do emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, estabelecendo como único pressuposto da garantia ao emprego a existência da gravidez no curso do contrato de trabalho.

Essa estabilidade é uma garantia que assegura a manutenção do contrato de trabalho, independentemente da vontade do empregador.

A garantia de emprego está prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal (art. 10, II, “b” do ADCT) e tem como fundamento maior a observância de direitos fundamentais do nascituro.

“Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
(…)
II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
(…)
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.”
A CLT (Art. 391-A) também prevê essa proteção e estabelece que a confirmação pode se dar inclusive durante o período de aviso prévio, ainda que indenizado (não trabalhado):
“Art. 391-A. A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”
Em razão dessas disposições legais, muitas discussões acabam sendo travadas na Justiça do Trabalho, especialmente pelo fato de em alguns casos não ser possível afirmar com precisão se o início de uma determinada gestação ocorreu ou não durante a vigência do contrato de trabalho, mesmo que no prazo projetado do aviso prévio indenizado.
O aviso prévio, trabalhado ou não, integra o tempo de serviço da empregada para todos os efeitos legais, conforme previsto pelo § 1º, do artigo 487, da CLT.

Ocorre que em muitos casos nem mesmo a própria empregada tem conhecimento da gravidez na data do seu desligamento, sendo que a confirmação da gestação obtida posteriormente geralmente se dá através de exame médico que atribui uma data aproximada (e não muito precisa) acerca da concepção.

Tantas foram as discussões havidas sobre essa matéria que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou uma súmula de jurisprudência para sedimentar a sua interpretação acerca das normas que estabelecem essa garantia de emprego:
Súmula nº 244 do TST

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT).
II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

O TST, portanto, esclarece que o desconhecimento da gravidez pelo empregador na data da demissão não afasta o direito da empregada à estabilidade, garantindo uma indenização correspondente aos salários e demais vantagens que a empregada receberia durante todo o período de estabilidade que teria direito, deixando claro que a confirmação da gravidez pode se dar inclusive em período posterior.

Também estabelece a garantia de emprego mesmo no caso de contrato por prazo determinado, tal como no contrato de experiência.

No entanto, mesmo com todas essas definições estabelecidas pelo TST, ainda surgem muitas discussões no judiciário trabalhista, especialmente em relação à data da confirmação da gravidez, sendo que prevalece o entendimento de que havendo prova de que a concepção ocorreu durante o contrato de trabalho é garantido o direito à indenização relativa ao período estabilitário.
Abaixo destaco algumas decisões que estampam o entendimento da jurisprudência trabalhista sobre essa matéria:

Acórdão – Processo 0021581-35.2016.5.04.0241 (ROT)
Data: 19/11/2020
Órgão Julgador: 3ª Turma
Redator: RICARDO CARVALHO FRAGA
EMENTA ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE . O art. 10, inc. II, alínea “b”, do ADCT da CF/88, garante estabilidade provisória à empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, independentemente de, na data da despedida, as partes desconhecerem o estado gravídico da empregada, pois a norma visa proteger, em suma, o direito à maternidade e do nascituro.

Acórdão – Processo 0021162-92.2017.5.04.0301 (ROT)
Data: 25/08/2020
Órgão Julgador: 4ª Turma
Redator: ANDRE REVERBEL FERNANDES
EMENTA GESTANTE. GARANTIA DE EMPREGO. O art. 10, inciso II, alínea b, do ADCT estabelece a proibição da dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, a fim de garantir a sobrevivência e o bem estar do filho e da mãe. Todavia, não há prova que a concepção da gravidez da reclamante ocorreu durante a vigência do contrato de trabalho mantido com a ré. Recurso ordinário da reclamante desprovido.

Acórdão – Processo 0020491-96.2018.5.04.0022 (ROT)
Data: 25/06/2020
Órgão Julgador: 3ª Turma
Redator: MARCOS FAGUNDES SALOMAO
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. FATO GERADOR. CONCEPÇÃO. O fato gerador da estabilidade provisória da empregada gestante é a gravidez em si, independentemente da data de sua confirmação. Adoção da Súmula nº 244, I, do TST.

Acórdão – Processo 0020240-31.2019.5.04.0382 (ROT)
Data: 31/08/2020
Órgão Julgador: 2ª Turma
Redator: MARCAL HENRI DOS SANTOS FIGUEIREDO
ESTABILIDADE PROVISÓRIA NO EMPREGO. GESTANTE. AVISO- PRÉVIO. A estabilidade provisória no emprego de que trata o art. 10, II, alínea b, do ADCT decorre da mera comprovação de que a gravidez da trabalhadora ocorreu no curso do contrato de trabalho, ainda que no período do aviso- prévio. O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito à reintegração ou ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade, nos termos do entendimento consolidado na Súmula 244, I, do TST. Recurso da reclamada não provido.

Acórdão – Processo 0020165-62.2020.5.04.0024 (ROT)
Data: 29/04/2021
Órgão Julgador: 6ª Turma
Redator: FERNANDO LUIZ DE MOURA CASSAL
EMENTA INDENIZAÇÃO DO PERÍODO DE ESTABILIDADE GESTANTE. A empregada gestante tem direito à estabilidade desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, nos termos do artigo 10, II, letra “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, sendo devida a indenização relativa aos salários desde a dispensa ilegal até o término do período da estabilidade. Aplicação da Súmula 244 do TST.

Como há previsão expressa para pagamento de indenização relativa a todo o período da estabilidade mesmo havendo a confirmação da gravidez em período posterior, ainda que não tenha conhecimento prévio da gestação, o empregador pode ser surpreendido por um processo judicial trabalhista buscando essa indenização.
Embora a lei e a jurisprudência tenham acertadamente criado uma proteção efetiva aos direitos do nascituro, pois a demissão durante uma gestação de fato pode trazer inúmeros problemas à empregada, essa proteção poderia ser mais efetiva caso a gravidez fosse de conhecimento do empregador no momento do encerramento do contrato de trabalho, possibilitando o cancelamento da demissão e a manutenção do emprego, que é o objetivo maior da norma em questão.
Neste sentido, surge o questionamento: para se garantir a proteção prevista pela legislação, o empregador pode exigir exame de gravidez na demissão?
Trata-se de uma questão muito polêmica, pois essa exigência poderia ser interpretada como uma invasão à intimidade da trabalhadora, em situação de abuso do direito potestativo do empregador.
Esse receio decorre de outras situações já analisadas pela justiça trabalhista, onde prevaleceu o entendimento de que a exigência de exames médicos não previstos em lei e sem a concordância do empregado constitui ato ilícito indenizável, porque expõe a intimidade e a vida privada do trabalhador.

Acórdão – Processo 0020792-96.2016.5.04.0124 (ROT)
Data: 04/06/2018
Órgão Julgador: 5ª Turma
Redator: KARINA SARAIVA CUNHA
EMENTA DANO MORAL. EXAME TOXICOLÓGICO. A submissão do empregado à realização de exame toxicológico sem a sua anuência constitui ato ilícito indenizável, porque expõe a intimidade e a vida privada do trabalhador, sendo que, em hipóteses como a delineada nos autos, para a configuração do dano moral, exige-se apenas a prova dos fatos que deram ensejo ao pedido de indenização, porquanto o dano, nesses casos, se faz in re ipsa

Acórdão – Processo 0050600-45.2008.5.04.0701 (RO)
Data: 28/07/2011
Órgão Julgador: 2a. Turma
Redator: VANIA MATTOS
Origem: 1ª Vara do Trabalho de Santa Maria
EMENTA: DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. Indenização devida por dano moral configurado por violação do direito à intimidade do empregado.
(…) No caso dos autos, restou provado de forma cabal que houve abuso no poder diretivo do empregador, com violação do direito à intimidade e à dignidade do trabalhador previsto no artigo 5º da Constituição Federal, considerada a causa da rescisão antes referida. O ato ilícito do réu implica invasão na esfera privada do autor, tendo restado comprovado de forma robusta pela prova oral, bem analisada pelo Juízo, o nexo de causalidade entre o dano causado ao autor e o comportamento do réu, havendo, portanto, a obrigação de indenizar. Assim, comprovada de forma suficiente pela prova oral a existência de fundamentos que apoiam o pedido de indenização por dano moral, a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos no aspecto.”

RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. DANO MORAL. EXAMES TOXICOLÓGICOS E DE HIV. Partindo-se da premissa de que a Reclamada realizou os exames de HIV e toxicológicos sem a devida anuência do Reclamante, não há como se afastar a condenação à indenização por dano moral. De fato, como bem asseverado pelo Regional, “a integridade do autor foi atingida no momento em que sua privacidade foi invadida, vez que somente a ele interessava discernir se queria realizar os exames para saber se tinha AIDS ou se havia sinais de existência de drogas em seu organismo”. Assim sendo, estando configurados a prática de ato ilícito por parte da empresa, o dano causado ao empregado e o nexo de causalidade, correta se mostra a condenação da Reclamada ao pagamento de danos morais, não havendo de se cogitar de afronta aos arts. 159 do Código Civil (revogado) e 5.º, II, V e X, da Constituição Federal (ED-RR – 61700-26.2001.5.17.0007, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 10/12/2009, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 18/12/2009).

Também existe o receio de que a exigência de exame de gravidez no momento do desligamento possa ser interpretada como uma violação à Lei nº 9.029/95, que proíbe a exigência de exames ou atestados para efeitos admissionais ou de permanência no emprego, quando se constituírem em práticas discriminatórias e expressamente tipifica como crime “a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez”.
Porém, ainda não se tinha uma sinalização da jurisprudência neste sentido em relação à exigência de exame de gravidez no momento do desligamento com o objetivo primordial de justamente preservar o direito da gestante em proteção ao nascituro.

No entanto, o Tribunal Superior do Trabalho, em recente decisão (acórdão publicado em 18/06/2021), rejeitou um pedido de indenização por danos morais feito por ex-empregada que se sentiu discriminada e com sua intimidade violada porque a empresa havia exigido a realização de exame de gravidez no ato demissional.
A 3ª Turma do TST entendeu que a conduta da empresa que exigiu o exame de gravidez no momento do desligamento não foi discriminatória nem violou a intimidade da trabalhadora, uma vez que visou justamente dar segurança jurídica ao término do contrato de trabalho e garantir os direitos da empregada e do nascituro.
“I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO DO REGIONAL PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE EXAME PARA AVERIGUAÇÃO DO ESTADO GRAVÍDICO. ATO DE DISPENSA DA EMPREGADA. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. Em face de possível violação do art. 5º, X, da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor exame do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. II – RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO DO REGIONAL PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE EXAME PARA AVERIGUAÇÃO DO ESTADO GRAVÍDICO. ATO DE DISPENSA DA EMPREGADA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO . A lide versa sobre o pleito de indenização por danos morais decorrentes da exigência de exame de gravidez por ocasião da dispensa da trabalhadora. A exigência do exame de gravidez é vedada pela legislação, a fim de inibir qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvados, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente (art. 7º, XXXIII, CF; art. 1º, Lei 9.029/95), sendo tipificada como crime “a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez” (art. 2º, Lei 9.029) . A CLT também proíbe a exigência de atestado ou exame para comprovação de gravidez na admissão ou para permanência no emprego (art. 373-A, IV). Assim, a CLT como a Lei 9.029/95 vedam a prática de ato discriminatório para efeito de admissão ou manutenção no emprego. A finalidade é impedir que o empregador, tendo conhecimento prévio do estado gravídico, deixe de admitir a candidata ao emprego, praticando, dessa forma, ato discriminatório. A exigência de exame de gravidez por ocasião da dispensa não pode ser considerada um ato discriminatório, tampouco violador da intimidade da trabalhadora. Pelo contrário, visa dar segurança jurídica ao término do contrato de trabalho, na medida em que, caso a trabalhadora esteja em estado gestacional, circunstância que muitas vezes ela própria desconhece, o empregador, ciente do direito à estabilidade, poderá mantê-la no emprego ou indenizá-la de antemão, sem que esta necessite recorrer ao judiciário. O que se resguarda, no caso, é o direito da empregada gestante ao emprego (art. 10, II, b , do ADCT), bem como do usufruto da licença previdenciária. Por outro lado, não é somente o direito da gestante que se visa resguardar com a estabilidade provisória decorrente. O nascituro também é objeto dessa proteção, tanto que o direito do nascituro também está implícito do art . 10, II, b, do ADCT. Assim, não há que se falar em eventual violação ao direito a intimidade quando também existem direitos de terceiros envolvidos, devendo ser realizada uma ponderação dos valores. Ademais, o ato de verificação de eventual estado gravídico da trabalhadora por ocasião da sua dispensa está abarcado pelo dever de cautela que deve fazer parte da conduta do empregador. Assim, como cabe ao empregador zelar pela segurança de seus funcionários no desempenho das atividades laborativas, também a observância do cumprimento da legislação, sobretudo a que resguarda a estabilidade da gestante, obrigações legais que estão abarcadas pelo dever de cautela do empregador. Com isso, não pode a exigência de comprovação do estado gravídico por parte do empregador, único meio para o conhecimento gestacional, ser considerada uma conduta ofensiva ao direito à intimidade.

Não houve discriminação, tampouco violação do direito à intimidade da trabalhadora ao lhe ser exigido o exame de gravidez por ocasião da sua dispensa, e em consequência, a configuração do alegado dano moral passível de indenização, na medida em que se visou garantir o fiel cumprimento da lei. Intacto, portanto, o art. 5º, X, da Constituição Federal. Recurso de revista não conhecido. Conclusão: agravo de instrumento conhecido e provido. Recurso de revista não conhecido” (RR-61-04.2017.5.11.0010, 3ª Turma, Redator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 18/06/2021).

Essa decisão não possui efeito vinculante, ou seja, não obriga que os Tribunais Regionais ou mesmo o próprio TST decidam no mesmo sentido, mas sinaliza que há uma distinção entre a situação em que se pretende garantir um direito da própria empregada das outras hipóteses analisadas, onde a exigência de exames efetivamente pode se constituir em prática discriminatória ou mesmo atingir a integridade do trabalhador, invadindo sua privacidade sem qualquer justificativa legal.

Na hipótese de a concepção ocorrer durante a projeção ficta do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, que não é trabalhado, a ex-empregada não deixaria de ter direito à estabilidade, caso viesse a descobrir a gestação posteriormente, mesmo tendo sido submetida à exame de gravidez no último dia trabalhado, juntamente com o seu exame médico demissional.
No entanto, nos demais casos, principalmente nos contratos por prazo determinado, a exigência de exame de gravidez no desligamento se constituiria em um importante instrumento para conferir maior segurança jurídica às rescisões de contratos de trabalho, visando observar os direitos das empregadas e dos nascituros, com a preservação do emprego na hipótese de confirmação da gestação, e de outro lado reduzindo o risco decorrente da demissão vedada por lei por parte dos empregadores.

Autoria: Equipe Negócios Jurídicos