Empresas pedem na Justiça a substituição do depósito judicial por seguro garantia

Empresas de diversos segmentos estão recorrendo à Justiça para substituir o valor depositado em juízo por seguro garantia em processos tributários que estão em andamento e sem resolução definitiva de mérito. A troca é permitida na execução fiscal, quando a empresa já está em dívida ativa, e regulamentada por uma portaria da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). No entanto, os contribuintes pedem a extensão da possibilidade para fases processuais anteriores à cobrança, isto é, antes do trânsito em julgado.

Com isso, as companhias pretendem garantir dinheiro em caixa para passar pelo período de crise gerado pela pandemia da covid-19. A Azul Linhas Aéreas, por exemplo, conseguiu substituir R$ 129, 08 milhões de depósito judicial por seguro fiança em um processo sobre tarifas de navegação aérea.

O depósito judicial é feito para assegurar eventual recolhimento tributário após o término do processo. O valor pode ser pago na integralidade ou depositado mês a mês, a depender do tipo de discussão judicial.

Especialistas ouvidos pelo JOTA comentam que o Judiciário brasileiro não tem o hábito de substituir o depósito em dinheiro por seguro por conta do posicionamento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema. A PGFN em geral se opõe à possibilidade, uma vez que os normativos existentes dão preferência a valores depositados judicialmente em dinheiro e ficam disponíveis para a União na conta do Tesouro Nacional.

Porém, os advogados também acreditam em um movimento de mudança no entendimento por causa da crise social e econômica gerada pela covid-19 e porque o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizou, na sessão plenária do último dia 27 de março, a substituição de depósitos recursais por seguros-garantia e fianças bancárias em processos trabalhistas.

Consultada pelo JOTA, a coordenadora de estratégias judiciais da PGFN, Lana Borges Câmara, afirmou que o levantamento de valores antes do trânsito em julgado é inviável de acordo com a Lei 9.703/1998, que dispõe sobre os depósitos judiciais e extrajudiciais de tributos e contribuições federais. No mais, ela alerta que a decisão do CNJ não tem relação com a pandemia, uma vez que o pedido é de fevereiro, antes do decreto de calamidade. “Os advogados estão tentando transportar para a Justiça comum um ato administrativo da Justiça trabalhista. São esferas distintas. Na esfera trabalhista, os interesses são particulares. Nas ações que envolvem os tributos, o interesse é público”, explica.

Segundo Lana, a PGFN deve recorrer das decisões que liberaram a substituição dos valores. “Como um magistrado poderia, neste momento, escolher quais são as empresas que mais precisam desse tipo de decisão? Temos uma potencialidade de ferir a isonomia”, defende.

Decisões

Os tribunais brasileiros têm proferido decisões distintas sobre a possibilidade de substituição do depósito judicial por seguro fiança. O TRF1 e o TRF3, por exemplo, têm decisões tanto a favor como contra os contribuintes. O primeiro autorizou a Azul Linhas Aéreas a trocar R$ 129,08 milhões de seguro fiança de um processo entre a companhia e a União envolvendo tarifas de navegação aérea por um seguro fiança avaliado em R$ 170 milhões.

O desembargador Hercules Fajoses concedeu a liminar à Azul, por entender que a substituição visa amenizar as consequências da crise decorrente da covid-19. “É de conhecimento público e notório que as empresas aéreas sofrem diretamente os efeitos econômicos decorrentes da pandemia do SARS-Cov-2, a considerar-se não apenas o cancelamento de rotas de vôos nacionais e internacionais decorrentes da significativa redução de passageiros, mas por conta das restrições impostas pelos governos, mundo afora”, diz o texto da decisão.

“A pretendida substituição visa amenizar tais consequências, na medida em que o requerente deve arcar com o pagamento de funcionários e outras despesas necessárias à manutenção de suas atividades empresariais, ainda que em operação reduzida”, complementa o desembargador.

No entanto, no mesmo TRF-1, o desembargador Kássio Marques negou o pedido dos grupos Boticário e Gerdau de substituir por seguro fiança os valores de depósitos judiciais garantidores do crédito tributário de contribuição social destinada ao FGTS em caso de despedida sem justa causa. Nos dois processos o magistrado usa os mesmos argumentos para negar a liminar. Um deles é o fato de que as companhias não demonstraram a necessidade do dinheiro para quitar a folha de pagamentos por conta da crise gerada pela pandemia.

Além disso, o magistrado afirma que o governo federal editou a Medida Provisória 936/2020, que dispõe sobre medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus, justamente para ajudar as empresas no período de calamidade.

A advogada Luciana Souza, associada da área tributária do escritório Trench Rossi Watanabe, diz que obteve vitórias sobre o tema nos Tribunais Regionais Federais (TRFs) da 1ª e da 3ª região, e os clientes que obtiveram êxito conseguiram levantar cerca de R$ 240 milhões de depósitos. Segundo a advogada, a tese ganhou fôlego como alternativa para as empresas conseguirem manter o caixa durante a pandemia.

No entanto, ela ressalta que o êxito vai depender da situação fática da companhia. “A gente sabe que processo no Brasil não é algo rápido, demora cerca de 7 a 10 anos, e pesa muito para as empresas terem o dinheiro bloqueado por esse tempo”, explica. “Quando a empresa passa para uma apólice de seguro, o custo médio é de 1 a 2% do valor total do débito”, complementa.

Outra tese usada pelas empresas é o fato de a PGFN já ter disciplinado a troca no caso de execução fiscal. “Na portaria 164/2014 da PGFN já tem todos os requisitos para que o seguro seja feito. Com base nessa portaria e em razão da situação de urgência e de calamidade, as empresas estão pedindo que a portaria seja aplicada na fase de conhecimento para que o depósito seja liberado e substituído por um seguro garantia”, explica Júlio César Soares, sócio do escritório Dias de Souza.

Entraves

O Código Tributário Nacional (CTN) não regulamenta claramente a possibilidade da troca do depósito judicial em dinheiro por seguro garantia em processos antes do trânsito em julgado. Com isso, a súmula 112 do STJ posicionou-se de forma contrária à substituição. “O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro”, determina. A PGFN e a União também preferem o depósito em dinheiro, até porque o valor pode ser usado pelo Tesouro Nacional, desde que mantida a liquidez.

“Muitos tribunais decidem no sentido de que só existe a previsão para recebimento de carta de fiança ou seguro de garantia em sede de execução fiscal porque está na Lei de Execução Fiscal e não no CTN. Mas o que se diz, do ponto de vista pragmático, é que para o fisco não faz diferença esperar o fim da discussão. Já para o contribuinte, oferecer um seguro garantia em um momento de baixa liquidez, como o de agora, faz muita diferença”, analisa João Marcos Colussi, sócio do escritório Mattos Filho.

As apólices de seguro garantia podem ser feitas por seguradores solventes e são fiscalizadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), pertencente à estrutura do governo federal

Processos citados na matéria:

1008244-32.2020.4.01.0000
1008828-02.2020.4.01.0000
1008836-76.2020.4.01.0000

Fonte: Jota