CONSUMIDOR, SETOR DE TURISMO E CULTURA: ENTENDA OS IMPACTOS DA NOVA LEI Nº 14.046, DE 24 DE AGOSTO DE 2020

A recentemente pubicada Lei nº 14.046, de 24 de agosto de 2020, veio dispor sobre o adiamento e o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e de cultura, em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da Covid-19.

Atividades econômicas impactadas pela Lei:

Os regramentos previstos na Lei aplicam-se aos prestadores de serviços turísticos e sociedades empresárias que exerçam atividades econômicas relacionadas à cadeia produtiva do turismo a que se refere o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008, quais sejam:

I – meios de hospedagem;
II – agências de turismo;
III – transportadoras turísticas;
IV – organizadoras de eventos;
V – parques temáticos; e
VI – acampamentos turísticos.

Também se aplicam as disposições desta Lei, as sociedades empresárias que estejam cadastradas no Ministério do Turismo e prestem os serviços abaixo relacionados:

I – restaurantes, cafeterias, bares e similares;
II – centros ou locais destinados a convenções e/ou a feiras e a exposições e similares;
III – parques temáticos aquáticos e empreendimentos dotados de equipamentos de entretenimento e lazer;
IV – marinas e empreendimentos de apoio ao turismo náutico ou à pesca desportiva;
V – casas de espetáculos e equipamentos de animação turística;
VI – organizadores, promotores e prestadores de serviços de infraestrutura, locação de equipamentos e montadoras de feiras de negócios, exposições e eventos;
VII – locadoras de veículos para turistas; e
VIII – prestadores de serviços especializados na realização e promoção das diversas modalidades dos segmentos turísticos, inclusive atrações turísticas e empresas de planejamento, bem como a prática de suas atividades.

Por fim, a Lei prevê sua aplicação para cinemas, teatros e plataformas digitais de vendas de ingressos pela internet.

Adiamento ou cancelamento do serviço:

A Lei prevê que, nas hipóteses de adiamento ou de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não estarão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem:

1) A remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos adiados. Neste caso, as empresas ou prestadores de serviços poderão remarcar o evento no prazo de 18 (dezoito) meses contado da data de encerramento do estado de calamidade pública que, até o presente momento, está prevista para o dia 31/12/2020.
Além disso, as empresas ou prestadores de serviços, para fins de remarcação do evento, deverão manter os valores e as condições dos serviços originalmente contratados.

2) A disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas. Neste caso, o consumidor poderá utilizar-se do crédito ou abatimento concedido, no prazo de 12 (doze) meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

Impossibilidade de remarcação, disponibilização de crédito ou abatimento:

Nos casos de impossibilidade de remarcação, disponibilização de crédito ou abatimento, o prestador de serviço ou a sociedade empresária deverão restituir o consumidor no prazo de 12 (doze) meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
Neste ponto, a lei não faz nenhuma menção quanto à correção monetária dos valores a serem restituídos ao consumidor.

Regras gerais:

• As operações de remarcação, disponibilização de crédito ou abatimento deverão ocorrer sem custo adicional, taxa ou multa ao consumidor, em qualquer data a partir de 1º de janeiro de 2020:

a) Pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado da comunicação do adiamento ou do cancelamento dos serviços;
b) Ou pelo prazo de 30 (trinta) dias antes da realização do evento, o que ocorrer antes.

• Se o consumidor não fizer a solicitação dentro dos prazos assinalados, por motivo de falecimento, de internação ou de força maior, o prazo será restituído em proveito do consumidor, do herdeiro ou do sucessor, a contar da data de ocorrência do fato impeditivo da solicitação.

• Os valores referentes aos serviços de agenciamento e de intermediação já prestados, tais como taxa de conveniência e/ou de entrega, serão deduzidos do crédito a ser disponibilizado ao consumidor ou do valor a ser restituído ao consumidor.

• Os regramentos até então expostos aplicam-se aos casos em que o serviço, a reserva ou o evento adiado tiver que ser novamente adiado, em razão de não terem cessado os efeitos da emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus, na data da remarcação originária, bem como aplica-se aos novos eventos lançados no decorrer do período sob os efeitos da emergência em saúde pública e que não puderem ser realizados pelo mesmo motivo.

• Eventuais cancelamentos ou adiamentos dos contratos de natureza consumerista regidos por esta Lei caracterizam hipótese de caso fortuito ou de força maior, e não são cabíveis a reparação por danos morais, a aplicação de multas ou a imposição das penalidades previstas no art. 56 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), à exceção dos casos em que comprovada a má-fé da empresa ou prestador de serviços.

Profissionais contratados:

Para os artistas, palestrantes ou outros profissionais detentores do conteúdo, já contratados até a data de edição da Lei, que forem impactados por adiamento ou por cancelamentos de eventos, incluídos shows, rodeios, espetáculos musicais e de artes cênicas, a lei assim dispõe:

1) No caso de remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos adiados, o profissional não terá a obrigação de reembolsar imediatamente os valores dos serviços ou cachês, desde que o evento seja remarcado no prazo de 12 (doze) meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

2) Caso o profissional não preste os serviços contratados no prazo previsto, o valor recebido será restituído, atualizado monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), no prazo de 12 (doze) meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública, observadas as seguintes disposições:

a) O valor deve ser imediatamente restituído, na ausência de nova data pactuada de comum acordo entre as partes; e

b) A correção monetária será aplicada nos casos delimitados na letra “A” acima, em que não for feita a restituição imediata.
A lei prevê ainda que as multas por cancelamentos dos contratos destes profissionais serão anuladas enquanto vigorar o estado de calamidade pública.

Conclusão

É fato que o turismo e a cultura figuram entre os setores mais afetados pela pandemia causada pelo novo coronavírus. A Organização Mundial de Turismo afirmou que a queda na demanda por viagens internacionais no primeiro semestre de 2020 resultou em prejuízos de cerca de US$ 460 bilhões ao setor.

A lei analisada tem a clara a intenção de dar um fôlego adicional para as empresas do setor de turismo e cultura, que já operam no vermelho há meses, viabilizando o fluxo de caixa necessário para manter vivo o negócio.

Entretanto, a lei apresenta várias questões subjetivas que dão margem a diferentes interpretações, as quais, muito possivelmente, serão alvo de discussões judiciais num futuro próximo.

 

Autoria: Rita Carolina Müller Korndörfer

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