Considerações sobre a Penhora de Percentual de Faturamento de Empresa e o Tema 769 do STJ

De acordo com o último relatório da Justiça em Números, existem quase 40 milhões de processos com execução pendente (seja ela oriunda de ações de execução de títulos extrajudiciais ou cumprimentos de sentença), o que corresponde a mais da metade (58%) do total de processos pendentes (75 milhões).

Ainda, a fase de execução costuma levar mais tempo se comparada à fase de conhecimento, não apenas em razão da sabida morosidade do sistema judicial, mas também em razão das, não raras, dificuldades em encontrar bens, ativos ou direitos passíveis de constrição judicial para satisfação do crédito exequendo.

A execução civil segue o ordenamento constante no artigo 835 do Código de Processo Civil, que prevê uma ordem preferencial de constrição de bens, sendo os mais populares a penhora de dinheiro (através de bloqueio de contas correntes), de bens móveis em geral, bens imóveis, veículos de via terrestre etc.
“A penhora, vale dizer, é o primeiro ato de expropriação executiva sobre o patrimônio do devedor. Por intermédio da penhora é que se individualiza o bem (ou bens) sobre o qual o poder público irá atuar para a satisfação do credor/exequente. E exatamente por isso que costuma ser dito que a penhora é ato de afetação do bem à execução, ou seja, a responsabilidade patrimonial do devedor que antes era genérica, passa a ser de alguma forma ‘individualizada’ sobre os bens penhorados que, portanto, ficam sujeitos à satisfação do credor”. (BRUSCHI, Gilberto. ASSIS, Araken. Revista dos Tribunais, 2021).

Tecidas as considerações iniciais, passa-se a análise do tema central do presente artigo: a penhora de percentual de faturamento de empresa.
Esta espécie de penhora está positivada no art. 835, X, do Código de Processo Civil, com seus regramentos especificados no art. 866 e parágrafos, também do Código de Processo Civil. O referido artigo dispõe que a penhora de percentual de faturamento da empresa pode ser decretada pelo juízo quando “não tiver outros bens penhoráveis ou se, tendo-os, esses forem de difícil alienação ou insuficientes para saldar o crédito executado”.

O juiz então fixará percentual “que propicie a satisfação do crédito exequendo em tempo razoável, mas que não torne inviável o exercício da atividade empresarial” e nomeará administrador-depositário que prestará contas mensalmente ao juízo quanto as quantias recebidas, com os respectivos balancetes mensais, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida.

Importante referir que a penhora, neste caso, “é distinta da penhora em dinheiro propriamente dita. Muito embora também recaia sobre dinheiro, a penhora de faturamento implica a expropriação periódica do resultado econômico de uma empresa” (DANTAS, Marcelo. Revista dos Tribunais 2022) e, além disso, tal modalidade está sujeita a evento futuro e incerto em benefício do credor.

Ocorre que, este meio de constrição patrimonial comporta diversas discussões jurisprudenciais e exige atenção e equacionamento pelo julgador para cada caso concreto, a exemplo da questão quanto ao percentual a ser penhorado que não está positivado em lei, mas que, de acordo com entendimento de vários precedentes do Superior Tribunal de Justiça, deve ser fixado no percentual de 5% a 10% do faturamento:

“O STJ, por vários dos seus precedentes, tem mantido penhoras fixadas no percentual de 5% a 10% do faturamento, com vistas a, por um lado, em não existindo patrimônio outro suficiente, disponibilizar forma menos onerosa para o devedor e, por outro lado, garantir forma idônea e eficaz para a satisfação do crédito, atendendo, assim, ao princípio da efetividade da execução, caso dos autos”. (AgInt no AREsp n. 2.062.230/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 19/9/2022, DJe de 4/10/2022). No mesmo sentido: AgInt no AREsp n. 1.867.268/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 25/10/2021, DJe de 25/11/2021 e AgInt no REsp n. 1.281.175/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 15/5/2018, DJe de 18/5/2018.

Outro ponto de discussão relevante, trata do fato de que o Código Processual, assim como na questão quanto ao percentual a ser fixado, também não dispõe se a penhora deve incidir sobre faturamento líquido ou faturamento bruto da empresa, ficando a cargo da análise do juízo sobre o caso concreto para a definição, não havendo, na jurisprudência, conformidade quanto ao ponto.

Ademais, não raras vezes, o juízo equivoca-se quanto à terminologia contábil e conceitos financeiros, ordenando na mesma decisão, por exemplo, penhora sobre o lucro e penhora sobre o faturamento (bases de cálculo que não são sinônimas). Devendo, portanto, a(o) advogada(o) estar familiarizada(o) com as expressões contábeis e atenta(o) aos eventuais erros.

Por fim, importa discorrer brevemente neste artigo a questão a disposta no Tema 769 do Superior Tribunal de Justiça.

O Superior Tribunal de Justiça afetou, em 5/2/2020, os Recursos Especiais nº 1.666.542/SP, nº 1.835.864/SP e nº 1.835.865/SP como representativos da controvérsia repetitiva descrita no Tema 769, no qual se busca definição a respeito:

i) da necessidade de esgotamento das diligências como pré-requisito para a penhora do faturamento;

ii) da equiparação da penhora de faturamento à constrição preferencial sobre dinheiro, constituindo ou não medida excepcional no âmbito dos processos regidos pela Lei 6.830/1980, e;

iii) da definição da ocorrência ou não de afronta ao princípio da menor onerosidade contra o devedor.

O tema aguarda julgamento desde 2020, havendo determinação de suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem acerca da questão delimitada e que tramitem no território nacional.

Antes de prosseguir com a análise, é importante informar que ações de execuções no âmbito civil (ou seja, execuções que não sejam fiscais e não estejam sob a égide da Lei de Execução Fiscal nº 6.830/80) não são afetadas pelo tema 769 do STJ, e, consequentemente, não deverão ser suspensas.

Pois bem, a Lei de Execução Fiscal nº 6.830/80 exige o cumprimento da ordem de constrição de bens estabelecida no artigo 11, cujo parágrafo 1º traz, como medida excepcional, a penhora sobre estabelecimento comercial, compreendida aí a constrição do faturamento. Por conta dessa norma, a Fazenda Pública só poderia penhorar o faturamento de um devedor depois de realizar as constrições relacionadas na referida norma.

“Art. 11 – A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem: I – dinheiro; II – título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa; III – pedras e metais preciosos; IV – imóveis; V – navios e aeronaves; VI – veículos; VII – móveis ou semoventes; e VIII – direitos e ações. § 1º –

Excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção”.

Entretanto, os recursos representativos dessa controvérsia, sustentam a violação do artigo 11, I, da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80) fundamentando pela possibilidade de deferimento da penhora sobre o faturamento independentemente da tentativa de localização de outros bens, justamente pelo fato de que essa constrição se identificaria com a penhora de dinheiro que está em primeiro lugar na ordem de constrição do artigo 11, I, da referida Lei.

A uniformização da jurisprudência quanto ao ponto será de suma importância para as empresas que estejam sendo executadas pela Fazenda Pública, principalmente considerando o risco que eventual entendimento no sentido de equivaler a penhora sobre faturamento à penhora em dinheiro representa para as empresas, na medida em que possibilitaria que Fazenda Pública tenha deferida a penhora sobre o faturamento da empresa executada independentemente da tentativa de localização de outros bens.