É fato que cada vez mais os investimentos patrimoniais sofrerão drásticas mudanças no Brasil. O cenário econômico envolvendo uma taxa Selic abaixo dos 4% ao ano mudarão significativamente o perfil dos investimentos de todos os players de mercado, das pessoas físicas às empresas com ações negociadas em bolsa de valores.
Como a grande maioria dos investimentos em renda fixa estão vinculados de alguma forma à taxa Selic, esse cenário estável de Selic reduzida torna cada vez menos atrativos os investimentos cobertos pela segurança em termos de previsibilidade que se verifica na renda fixa, voltando o mercado para outros diversos tipos de investimentos disponíveis atrelados à renda variável.
No âmbito das pessoas físicas parece mais claro esse cenário, mas as empresas também precisarão repensar sua estratégia de investimentos. E uma das tendências possíveis é a ampliação das operações de fusões e aquisições, que nada mais é do que a compra de empresas por outras empresas, como forma de investimento e, também, como forma estratégica de atuação nos mercados pertinentes ou no desenvolvimento de novos mercados, principalmente quanto àquelas empresas que tem um perfil de inovação em seu DNA.
No caso em específico, vamos tratar de uma movimentação societária que pode cada vez mais se tornar comum, que é o ingresso, em uma empresa Limitada (LTDA.), de um sócio com capital aberto, ou seja, uma empresa com ações comercializadas na bolsa de valores mobiliários, no Brasil a B3 (antiga BOVESPA).
Esse tipo de operação normalmente é cercada de uma complexidade bem maior do que as operações entre empresas Limitadas, por exemplo.
Isso porque as empresas de capital aberto, tratas pela lei como Sociedades Anônimas (S.A.), estão submetidas à fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que é o órgão independente que fiscaliza a atuação das empresas que emitem títulos para comercialização no pregão da bolsa de valores.
Nesse sentido, algumas das operações envolvendo sociedades anônimas desta natureza estão submetidas à Instrução CVM nº 565/15, que regulamenta como esse ingresso de uma S.A. como sócia em uma empresa Limitada deve acontecer.
Essa instrução regula as operações de fusão, cisão, incorporação e incorporação de ações, que nesse caso seria incorporação de quotas de participação, sempre que pelo menos um dos agentes seja uma empresa S.A. registrada na categoria A da CVM.
As empresas registradas na CVM estão divididas em duas categorias, A e B.
Em termos gerais, conforme a Instrução CVM nº 480/09, o registro na categoria A autoriza a negociação de quaisquer valores mobiliários do emissor em mercados regulamentados de valores mobiliários. Já o registro na categoria B autoriza a negociação de valores mobiliários do emissor em mercados regulamentados de valores mobiliários, com exceção dos seguintes:
1) ações e certificados de depósito de ações; ou
2) valores mobiliários que confiram ao titular o direito de adquirir os valores mobiliários mencionados no inciso I, em consequência da sua conversão ou do exercício dos direitos que lhes são inerentes, desde que emitidos pelo próprio emissor dos valores mobiliários referidos no inciso I ou por uma sociedade pertencente ao grupo do referido emissor.
Esclarecida a categoria do registro, vamos verificar algumas das situações que são completamente novas para uma empresa Limitada e que decorrem desse tipo de operação.
Comunicação
Sabidamente, todas as movimentações relevantes de uma empresa com ações na bolsa podem atingir diretamente o valor da cotação dessas ações, o que pode impactar no posicionamento dos acionistas atuais e em eventuais potenciais investidores.
Nesse sentido, as partes envolvidas na operação devem ter muito cuidado e atenção no que se refere ao sigilo e à divulgação oficial/extraoficial da operação.
A CVM obriga que, por exemplo, se a informação da operação for lançada ao mercado antes da sua conclusão efetiva, sejam indicadas as razões que levaram os envolvidos a fazer a divulgação naquele momento e o estágio em que se encontram as negociações, em se tratando de proposta do acionista controlador ainda não avaliada pela administração da companhia: se a proposta é vinculante; o prazo para aceitação, se houver; os demais termos e condições relevantes; as medidas que a administração pretende tomar para avaliar a proposta; e a data prevista para a conclusão das negociações, se for possível estimá-la.
Vejam que são questões totalmente inusitadas para uma empresa Limitada, que jamais dá publicidade aos seus atos com esse cuidado. Falando em cuidado, interessante replicar a integra do artigo 5º da Instrução CVM nº 565/15:
Art. 5º Os administradores da companhia aberta envolvidos na negociação da operação devem agir com cuidado e diligência para verificar que todas as informações prestadas pelas demais sociedades envolvidas na operação observem a regulamentação aplicável.
Os administradores da S.A., nesse caso, devem agir como fiscalizadores do fluxo de informações e podem ser responsabilizados pessoalmente caso não observem essa questão.
Demonstrações Financeiras
Com um capítulo inteiro da Instrução CVM nº 565/15 tratando do assunto, existem muitos critérios de prazos e ajustes que devem ser observados pelas empresas, mas principalmente pela sociedade Limitada, que, via de regra, não está familiarizada com tamanho rigor e detalhamento de suas demonstrações financeiras.
O curso de uma operação como a abordada neste texto, pela sua complexidade, necessita de uma fase preparatória muito bem estruturada para que todas as questões que envolvem essa temática possam ser observadas ao longo do processo.
Vale destacar, exemplificativamente, as considerações do parágrafo primeiro do artigo 6º da mencionada Instrução CVM nº 565/15:
§ 1º Ainda que algumas das sociedades envolvidas na operação não sejam sociedades anônimas nem estejam sujeitas às normas expedidas pela CVM, as demonstrações financeiras referidas no caput devem ser:
I – elaboradas de acordo com a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e com as normas da CVM; e
II – auditadas por auditor independente registrado na CVM.
Dificilmente uma empresa Limitada terá suas demonstrações financeiras atuais enquadradas nas exigências desta resolução, o que mais reforça a necessidade de uma preparação prévia criteriosa para execução da operação em questão.
Outras matérias como critérios para o laudo de avaliação da operação e critérios de liquidez também são tratados pela norma e devem ser observados pelas partes de maneira preliminar.
Penalidades
Outra questão muito impactante relativamente à atuação da CVM na fiscalização deste tipo de operação são as penalidades que a entidade pode aplicar aos responsáveis, via de regra os administradores, envolvidos, além das próprias empresas.
A Instrução CVM nº 565/15 classifica como “graves” as infrações à maior parte dos seus dispositivos. Dessa classificação podem decorrer penas como:
1) inabilitação temporária, até o máximo de 20 (vinte) anos, para o exercício de cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários;
2) suspensão da autorização ou registro para o exercício das atividades de que trata a Lei;
3) inabilitação temporária, até o máximo de 20 (vinte) anos, para o exercício das atividades de que trata a Lei;
4) proibição temporária, até o máximo de vinte anos, de praticar determinadas atividades ou operações, para os integrantes do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários;
5) proibição temporária, até o máximo de dez anos, de atuar, direta ou indiretamente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de valores mobiliários.
Isso sem esquecer, obviamente, das multas que tendem a serem aplicadas em patamares na casa dos milhões.
Todo o cuidado é pouco. O mapeamento dessas obrigações de maneira clara e exaustiva proporciona uma compreensão do que pode, ou não, ser feito e quais os riscos decorrentes das decisões eventualmente tomadas.
As consultorias estão empenhadas, ou pelo menos deveriam, em fazer todo esse mapeamento de maneira preliminar, com o intuito de fornecer aos tomadores de decisão todas as informações que possam influenciar os caminhos escolhidos pelas corporações em cada caso.
Existem muitas vantagens nesse modelo de operação empresarial praticado por sociedades anônimas de capital aberto, principalmente quanto à captação de recurso “baratos” para fomentar o negócio e novos projetos, mas as obrigações e os custos que acompanham essas operações estão em um patamar muito distante da realidade de grande parte das empresas de capital fechado ou Limitadas usualmente investidas. Só o conhecimento e a informação podem encurtar essa distância.
Autoria: Rafael Cajal
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