NFTs ou, em tradução livre, Tokens Não-Fungíveis, são uma inovação do mundo digital para a representação de bens digitais únicos e transacionáveis. Diferentemente das criptomoedas como o Bitcoin, que tem a característica da fungibilidade, uma NFT que represente a propriedade sobre uma escultura de Lygia Clark não se confunde com a da propriedade sobre uma obra de Candido Portinari. E estes ativos podem ser comprados, doados, vendidos ou, até mesmo, destruídos no mundo digital, tal qual uma propriedade. Pela característica da não-fungibilidade, NFTs não operam como moedas, mas sim como bens singulares, que podem representar obras de arte, músicas, vídeos e partes de mundos virtuais, como o emblemático caso Decentraland. Qualquer ativo digital ou digitalizável pode ser registrado no blockchain, gerando uma hash, que funciona como um código de autenticidade no mundo digital, o qual poderá, por sua vez, ser comercializado de forma segura, pois sua originalidade é garantida pela verificação no blockchain, que garantirá a segurança criptográfica do ativo. De acordo com o relatório da NonFungible.com, entre janeiro e abril de 2021, as transações de NFTs ultrapassaram 2 bilhões de dólares. E os registros das plataformas de transação evidenciam que para cada 1 vendedor, há ao menos 2 compradores. Esses números se tornaram expressivos nos últimos meses também como consequência da pandemia, e da digitalização compulsória de hábitos e demandas, tanto na vida doméstica, quanto na profissional. Tomemos como exemplo a transposição de shows presenciais para sua exibição por meio de lives em redes sociais. Considerando o caráter patrimonial e contraparadigmático deste fenômeno, está dado o cenário para uma miríade de reflexos jurídicos, os quais podem ser melhor analisados se consideradas as múltiplas dimensões desta disrupção. Aqui, trataremos tão somente de 3 dimensões: econômica, sociológica e cultural. O intuito dessa abordagem não é, de modo algum, esgotar o debate, mas introduzir uma análise sobre sua multidimensionalidade, como questão anterior e necessária à consolidação de teorias jurídicas sobre o fenômeno. Este artigo é parte integrante da pesquisa que atualmente desenvolvo no Departamento de Filosofia e Teoria do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Dimensão Econômica: Money Moves! A tokenização de ativos está no cerne do debate sobre as DeFi (Finanças Descentralizadas). Organizadas na estrutura blockchain, DeFi são modelos de serviços financeiros desintermediados, ou seja, são serviços que operam sem a intervenção de outros entes, como bancos ou corretoras. Direitos de propriedade, títulos imobiliários, precatórios e uma variedade de ativos financeiros podem ser tokenizados e, por sua vez, fracionados, de forma ágil, segura e verificável. Vale ressaltar que no vocabulário das finanças o processo de “tokenização” não necessariamente passa pela tecnologia blockchain. No mundo dos contratos e transações financeiras, tokens podem se referir tanto a um instrumento de segurança para autenticar transações em meio digital, como a um contrato inteligente (smart contract) baseado em blockchain e que representa um direito, um ativo real, como as NFTs. Nesta perspectiva, a seguir listo apenas algumas das aplicações das NFTs que podem ser analisados sob uma perspectiva econômica: como modalidade de garantia, possibilitando a obtenção ou a realização de empréstimos tendo como garantia NFTs. Como royalties, facilitando o controle da monetização e das transações de obras artísticas, e assegurando ao proprietário seu percentual. Como partes fracionadas Fractional Non-Fungible Tokens (F-NFTs), possibilitando a propriedade parcial de um ativo, democratizando seu acesso. E como um aluguel, sendo possível alugar obras de arte, terrenos em mundos digitais ou uniformes exclusivos em jogos blockchain. Por fim, as NFTs também desempenharão forte papel na economia rentista, através de derivativos negociados fora da Bolsa de Valores (over the counter derivatives), o que representa mais uma sofisticação para o estudo socioeconômico da financeirização. Dimensão Sociológica: A Brave New World? Um mundo virtual que usa tecnologias como realidade aumentada para replicar a realidade do mundo offline. De forma muito simplificada, esta é a definição de um Metaverso (o prefixo – meta – compreendido como “além” e o sufixo – verso – como derivado de “universo”). E hoje Decentraland é o maior experimento social de mundo virtual em escala global. Para se tornar um cidadão de Decentraland, basta adquirir um lote do terreno do metaverso, ou seja, um pedaço de terra virtual, equivalente a um lote de 16m x 16m. Cada pedaço de terra é um NFT, que assim como no mundo físico, são partes únicas, insuscetíveis de duplicação ou adulteração. Na imagem acima, temos Dragon City, uma representação da arquitetura e da cultura chinesa, construída com base no design taoísta por usuários chineses da plataforma Decentraland. Para além do design, o grupo de usuários que adquiriram este lote entende que o que mais os atraiu foi a possibilidade de “possuírem” uma terra, ainda que de um mercado imobiliário virtual, posto que a legislação chinesa não admite a propriedade de terra privada. Metaversos e ambientes virtuais congêneres inspirados por esse conceito existem desde a década de 1990, no entanto, nenhum deles, até Decentraland, teve o mesmo impacto sobre o mundo offline. A união de dois fatores sociais recentes talvez ajude a compreender o fenômeno: a intensificação do isolamento social e a consequente transferência das interações sociais e das fontes de comunicação e entretenimento para o mundo digital; ambos são desdobramentos da Pandemia de Covid-19. Piven aponta que a solidão gerada pelas restrições da pandemia criou o ecossistema ideal para que as pessoas passassem mais tempo e investissem mais dinheiro em seu reino imaginário favorito. Mercados de cripto-colecionáveis e de cripto arte sempre existiram e, inclusive, já tinham bastante força até o ano de 2019, mas foi apenas nas últimas semanas que um número extraordinário de transações foi observado. E em meio a muitas teorias que tentam compreender este novo cenário socioeconômico, uma das mais reiteradas é a que associa os desdobramentos da Pandemia acima mencionados à resposta econômica norte-americana à crise, no sentido de queda das taxas de juro e concessão de pacotes de estímulo. Esta conjuntura teria impulsionado a busca de ativos mais arrojados, que uniam aspectos já conhecidos do mercado (criptomoedas) e aspectos de atratividade e