Já é prática comum a inclusão, em determinados contratos de trabalho, de previsão relacionada ao compromisso de que o profissional contratado, após seu desligamento da empresa, permaneça impedido de atuar, por determinado lapso de tempo, num mesmo segmento empresarial ou de contratar com empresas concorrentes do mesmo ramo, sob pena de, violado tal compromisso, o profissional desligado sujeitar-se à imposição de penalidades.
Embora menos usual, tem-se também a hipótese em que o profissional afastado da empresa, geralmente detentor de cargos executivos ou de informações confidenciais ou privilegiadas, receba, em razão de acordo de não-competição (ou não-concorrência) celebrado entre as partes, um ou mais pagamentos como “estímulo” ao cumprimento de tal pacto.
Muito se controverte na jurisprudência administrativa e judicial, porém, sobre a natureza jurídica – se remuneratória ou indenizatória – da verba paga pela empresa a tal título (pacto de não-concorrência) ao profissional que tenha sido desligado e, por conseguinte, sobre a sujeição, ou não, de tais pagamentos à tributação pelo Imposto de Renda e Contribuição Previdenciária.
A corrente que defende a natureza indenizatória de tal pagamento sustenta que se trataria de uma compensação financeira ao profissional afastado da empresa pela restrição ao livre exercício profissional por determinado prazo, em face da existência do acordo de não-concorrência (não-competição), e não se destinaria a remunerar qualquer trabalho.
Neste cenário, a cláusula de não competição corresponderia a típica obrigação de não fazer – no caso, de não concorrer num mesmo segmento empresarial por determinado período – de sorte que a renúncia do antigo colaborador ao direito de atuar e competir livremente no mercado teria o condão de impactar negativamente seu patrimônio. Daí porque os valores que lhe sejam pagos sob esta condição se destinariam a reparar os danos patrimoniais sofridos.
Em sentido oposto, de que o pagamento feito com amparo em acordo de não-competição gozaria de natureza remuneratória, a justificativa repousa sobretudo no fato de inexistir previsão em lei, convenção ou acordo coletivo que assim obrigue a empresa quando da rescisão do contrato de trabalho, tratando-se, por isso, de verba paga por mera liberalidade do empregador.
À luz de tais conceitos, resta-nos avaliar a sujeição de tais pagamentos à tributação pelo Imposto de Renda e Contribuição Previdenciária.
Sabe-se que o Imposto de Renda, a teor do art. 43 do Código Tributário Nacional, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica (i) “de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos” ou (ii) “de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.
Ademais, a incidência do imposto, conforme preceitua o parágrafo primeiro do art. 43 do mesmo Código, “independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção”. Tal regramento vem repetido no Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/18).
Daí se colhe dois dos princípios informativos do imposto sobre a renda, quais sejam, a universalidade e a generalidade, segundo os quais todas as rendas auferidas, bem como todas as pessoas, sujeitam-se ao referido imposto, independentemente da denominação dos rendimentos, à exceção dos casos para os quais haja norma expressa de imunidade, isenção ou não incidência.
De seu turno, o art. 70 da Lei 9.430/96, ao dispor sobre os “Casos Especiais de Tributação”, estabeleceu em seu art. 70 que “A multa ou qualquer outra vantagem paga ou creditada por pessoa jurídica, ainda que a título de indenização, a beneficiária pessoa física ou jurídica, inclusive isenta, em virtude de rescisão de contrato, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento”, o que, à primeira vista, nos conduz à inafastável conclusão de que o pagamento realizado com amparo em acordo de não-competição a profissional afastado da empresa estaria ao abrigo da regra de incidência do Imposto de Renda. (destaques nossos).
É bem verdade, de outro lado, que o parágrafo quinto do mesmo dispositivo legal preceitua que a regra de tributação acima “não se aplica às indenizações pagas ou creditadas em conformidade com a legislação trabalhista e àquelas destinadas a reparar danos patrimoniais”. É justamente com amparo em tal previsão que a corrente que se filia à natureza indenizatória da verba paga a título de pacto de não-concorrência defende a não tributação de tal pagamento pelo Imposto de Renda.
Não é difícil de entender, portanto, a razão das controvérsias instauradas para definir-se sobre a tributação, ou não, de tal verba pelo Imposto de Renda.
No âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ainda que caracterizado tal pagamento como uma “compensação financeira” pela “potencial perda de renda futura”, prevalece o entendimento de que este representa acréscimo patrimonial ao seu beneficiário, sujeito, portanto, à incidência de imposto sobre a renda.
Tais decisões apoiam-se, sobretudo, no argumento de que, para fins de afastamento da norma de incidência do Imposto de Renda, impera o rol taxativo do art. 6º da Lei nº 7.713/88, o qual, por força do disposto no art. 111 do Código Tributário Nacional, restringe a isenção do imposto somente aos rendimentos percebidos por pessoas físicas correspondentes às indenizações ali previstas, a saber, aquelas decorrentes de acidente de trabalho e por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, na qual não se enquadrariam os pagamentos derivados de cláusulas de não-concorrência.
No âmbito do Poder Judiciário, o entendimento majoritário mais atual também vai no sentido de tributar pelo Imposto de Renda os valores recebidos por pessoa física, de ex-empregador, ainda que considerados uma compensação financeira em virtude de limitação temporal ao exercício do trabalho em determinada atividade, em face de contrato do qual conste cláusula de não-competição ou não concorrência, celebrado entre o beneficiário do rendimento (provento) e o ex-empregador.
Já no que toca à incidência da contribuição previdenciária sobre as verbas decorrentes de pacto de não-competição, o disposto no art. 22 da Lei nº 8.212/91 legitima a cobrança de tal contribuição daquelas “remunerações pagas a qualquer título destinadas a retribuir o trabalho”.
Desnecessárias maiores digressões para se identificar que o legislador ordinário instituiu a cobrança de contribuições previdenciárias sobre o total das “remunerações pagas a qualquer título destinadas a retribuir o trabalho” dos seus empregados.
Ou seja, o legislador previu como hipótese de incidência ou hipótese tributária das contribuições previdenciárias o pagamento de “remunerações” destinadas a “retribuir o trabalho”, ou seja, por serviços efetivamente prestados.
Idêntica orientação está reproduzida no art. 28, inciso I, da Lei nº 8.212/91, no qual definido o “salário-de-contribuição” – base de cálculo por excelência – como sendo “a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho”, excepcionando-se dessa base, todavia, as parcelas de natureza indenizatória (art. 28, § 9º, “e”, nº 4, 8 e 9) e aquelas recebidas a título de ganho eventual (art. 28, §9º, “e”, nº 7).
Nesse contexto, se o legislador estabeleceu que a contribuição previdenciária a cargo da empresa somente encontra abrigo nos valores pagos para “retribuir pelo trabalho”, não existe espaço para a incidência sobre aquelas parcelas que possuam natureza meramente indenizatória ou compensatória.
O pacto de não-concorrência ou não-competição, de seu turno, objetiva, ao cabo, justamente proibir o empregado de realizar uma atividade laboral (geralmente a empresas terceiras que atuem no mesmo segmento de mercado). Ademais, tendo havido a rescisão do contrato de trabalho entre a empresa (ex-empregadora) e o profissional beneficiário de tal verba (ex-empregado), também não se poderia cogitar de retribuição por trabalho prestado à própria fonte pagadora. Posição essa que tem eco nas recentes decisões dos tribunais brasileiros.
Nesse contexto, à vista da jurisprudência hoje dominante, uma vez demonstrada a ausência de contraprestação laboral e a eventualidade do pagamento em face de acordo do qual conste cláusula de não concorrência (não competição), desvinculado do salário, pois efetuado após a rescisão do contrato de trabalho, cabível será a aplicação do disposto no art. 28, § 9º, e, 7, primeira parte, da Lei nº 8.212/91, afastando a exigência da contribuição previdenciária sobre tal verba.
Autoria: Christian Stroeher