Não é surpresa para ninguém a complexidade da estrutura legal do sistema jurídico brasileiro. Temos muitas legislações que se contrapõem no tempo e no espaço, tornando complexa a compreensão das regras que estão ou não valendo para este ou aquele contexto fático.
Com o advento da atual pandemia que estamos vivenciando, observamos uma virtualização acelerada de várias situações do nosso cotidiano, e a assinatura de documentos é uma delas.
Desta forma, precisamos entender com o tema é tratado na legislação e qual a interpretação dada pelos Tribunais brasileiros.
Inicialmente, vamos conceituar os 3 (três) tipos de mecanismos que observamos para a assinatura de documentos nesse contexto.
Assinatura Digitalizada: é um processo simplificado onde uma imagem digitalizada de uma assinatura, de forma eletrônica, é adicionada a um documento digital ou digitalizado (scaneado). Nesse conceito também se enquadram aqueles documentos que são fisicamente assinados e digitalizados na sequência, através de fotografias ou scanners. Normalmente os envolvidos realizam o procedimento, tanto de digitalização de um documento assinado fisicamente, quanto na adição de uma assinatura digitalizada em um documento digital ou digitalizado, e trocam o documento “assinado” por e-mail ou aplicativos, como os de mensagens instantâneas, entendendo que o ato está formalmente validado para ambos naquele momento;
Assinatura Eletrônica: é um processo de assinatura que utiliza login e senha, através de uma plataforma ou sistema de identificação comum às partes, que garante que aquele usuário realizou a assinatura do documento, por meio de uma trilha de auditoria digital que contenha o nome dos signatários, endereço de e-mail, endereço de IP, data e hora da assinatura, dentre outras informações que puderem ser coletadas e possam atestar a identidade dos envolvidos. As plataformas também devem dispor de tecnologia para assegurar que o documento esteve protegido contra modificações e edições de conteúdo durante todo o processo de assinatura pelas partes.
Assinatura Digital: é um processo de assinatura que ocorre através de um certificado digital emitido por uma entidade certificadora vinculada à Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, o que garante a veracidade da autoria da assinatura utilizada para firmar digitalmente o documento. Ou seja, a entidade certificadora, quando da assinatura digital de determinado documento eletrônico, gera um arquivo eletrônico contendo os dados do titular da assinatura, vinculando-o a uma chave e atestando a sua identidade. Há, atualmente, uma vasta gama de aplicativos que permitem a aposição de assinaturas digitais em documentos eletrônicos, inclusive alguns convencionais leitores de arquivos “.pdf”. A grande maioria dos portais governamentais, como Tribunais Judiciais, Receita Federal, agências reguladoras, assim como alguns bancos e instituições financeiras, também se utilizam deste tipo de assinatura para acesso a ambientes restritos e para a validação de documentos e declarações em suas plataformas.
A legislação brasileira traz regramentos específicos apenas com relação à Assinatura Eletrônica e à Assinatura Digital, estando a Assinatura Digitalizada à mercê da regra geral de validade dos documentos estabelecida pelo Código Civil e da interpretação dos Tribunais. A bem da verdade, feliz ou infelizmente, tudo está condicionado à interpretação dos Tribunais.
Em 2001 foi publicada a Media Provisória 2.200-2, vigente até hoje, que regulamentou o sistema de certificação digital no país através da ICP-Brasil (Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira). Em seu artigo 10º, a Medida Provisória assegurou a validade da Assinatura Digital (§1º) e da Assinatura Eletrônica (§2º) para documentos públicos e privados.
A Assinatura Digital, aquela que se dá por certificado digital, é a mais comum e mais utilizada no país desde então. Tem sua validade amplamente reconhecida pelos Tribunais há bastante tempo e, portando, uma segurança jurídica consolidada no sistema jurídico brasileiro.
A Assinatura Eletrônica, por uma questão de disponibilização da própria tecnologia, teve postergada sua implementação mais massificada, mas também já está amplamente referendada pelos Tribunais e é aceita como meio válido de assinatura de documentos. Contudo, é importante que as plataformas utilizadas para essa modalidade observem alguns critérios, como a integridade e a confiabilidade do documento, a rastreabilidade e a auditabilidade dos procedimentos empregados.
As empresas que operam plataformas de Assinatura Eletrônica devem seguir os mesmos requisitos tecnológicos que as certificadoras endossadas pela ICP-Brasil, garantindo assim a validade de suas aplicações.
Além de haver legislação validando a utilização da Assinatura Digital pelo Poder Judiciário, com a ampla implementação do processo eletrônico, várias autarquias têm validado procedimentos internos que regulam este tipo de protocolo de assinatura.
Ainda mais recentemente, observamos a regulação, através da Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020, da utilização das assinaturas digitais e eletrônicas por diferentes entes públicos e suas interações com empresas e pessoas físicas. A legislação surgiu com o intuito de flexibilizar as formas de assinaturas, assim como trazer tranquilidade aos gestores públicos que dependem de lei para cumprimento de suas obrigações e estavam receosos por não haver uma legislação específica nesse sentido.
O Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020, elaborado para regulamentar o art. 5º da Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020, quanto ao nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em interações com o ente público, conceituou três modalidades de assinaturas:
I – Assinatura simples, que pode ser feita pelo usuário através de cadastro pela internet, mediante autodeclaração validada em bases de dados governamentais;
II – Assinatura avançada, onde o usuário deverá realizar o cadastro com garantia de identidade a partir de validador de acesso digital, através de validação biográfica e documental, presencial ou remota, conferida por agente público; validação biométrica conferida em base de dados governamental; ou validação biométrica, biográfica ou documental, presencial ou remota, conferida por validador de acesso digital que demonstre elevado grau de segurança em seus processos de identificação; e
III – Assinatura qualificada, que será assim considerada quando realizada por meio de certificado digital.
O Decreto estabelece, em seu artigo 4º, os níveis mínimos para as assinaturas em interações eletrônicas com a administração pública federal direta, autárquica e fundacional, que, de acordo com o grau de sigilo e risco de dano, poderão ser exercidas através de assinatura simples, avançada ou qualificada.
O Decreto, porém, não se aplica aos processos judiciais e à interação eletrônica entre pessoas naturais ou entre pessoas jurídicas de direito privado, mas apenas entre estas e o poder público.
Ainda, existem legislações que trazem conceitos que contribuem com o ideal de facilitação que fundamenta a utilização destas assinaturas, como o Marco Civil da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados, a Lei da Liberdade Econômica entre outras.
Mas todas as normas remetem, de forma direta ou indireta, aos conceitos da Assinatura Digital e da Assinatura Eletrônica. Nesse sentido, ambas têm um respaldo legal que as legitima como as formas mais seguras para a finalidade de assinatura virtual de documentos.
E quanto à Assinatura Digitalizada? Bom, sobre esta forma mais simples e muito utilizada na prática por empresas e pessoas físicas, temos a aplicação dos conceitos do Código Civil relativos à livre manifestação da vontade.
“Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”
Mas é fundamental, neste caso, que todas as partes aceitem consensualmente esta forma de assinatura do documento (inclusive prevendo tal aceite em cláusula contratual específica), e sejam tomados alguns cuidados, como, por exemplo, a indicação do endereço de e-mail oficial das partes na qualificação do documento e o dever de respeito a este endereço de e-mail durante o fluxo de envio e recebimento do documento assinado.
A conjunção de tais elementos pode auxiliar na comprovação da validade da operação realizada com o uso da assinatura digitalizada no caso de em questionamento dessa prática, já que fornece um substrato mínimo para a construção da primazia da realidade que poderá submetida à análise do Poder Judiciário.
Ainda assim, mesmo cercando-se de todos esses cuidados, essa é uma forma mais simples e menos segura de formalização de qualquer negócio jurídico, diante da fragilidade tecnológica desse procedimento para a comprovação da autoria e integridade do documento, que pode realmente estar sujeito a fraudes e vícios, e do fato de que não está respaldada por legislação específica, além de encontrar alguma rejeição nos Tribunais brasileiros, principalmente dependendo da finalidade a que se destina a aplicação dessa espécie de assinatura.
Nesse contexto, considerando que as tecnologias para a utilização de Assinaturas Digital e Eletrônica são hoje bastante difundidas e acessíveis, somado à segurança legislativa e jurisprudencial de que gozam tais procedimentos, são estas, atualmente, as formas mais recomentadas para formalização de documentos de maneira digital.
E na dúvida, consulte seu advogado. Certamente ele trará maior segurança para sua necessidade.