A INCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DA CPRB

No último dia 24 de fevereiro o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por meio de sessão virtual, concluiu o julgamento do tema 1048 da repercussão geral (RE 1.187.264/SP), que versava sobre a inclusão do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB.

A tese fixada pela Corte foi pela constitucionalidade desta inclusão, em sentido contrário ao quanto decidido no julgamento do tema 69 da repercussão geral (RE 574.706/PR), onde o Supremo Tribunal Federal concluiu que o ICMS não compõe a base de cálculo das contribuições ao PIS e à COFINS.

O entendimento vertido no tema 1048 da repercussão geral, ao contrário de pacificar a controvérsia acerca da inclusão de tributo na base de cálculo de outros tributos, acaba por revelar verdadeira insegurança jurídica.

Assim como no PIS e na COFINS, a base de cálculo da CBPR também é a receita bruta e, segundo o próprio Supremo Tribunal Federal ao decidir o tema 69, o conceito de receita bruta não pode compreender o ICMS – ou qualquer outro tributo. E mais, o conceito de receita bruta, para fins de incidência tributária, não pode ter significado variável para diferentes tributos.

A CPRB inicialmente era obrigatória para determinadas empresas de determinados setores, passando a ser facultativa com a entrada em vigor da Lei n. 13.161/2015, que alterou a Lei n. 12.546/2011 para conceder ao contribuinte a opção entre a apuração da contribuição previdenciária patronal com base na receita bruta ou na folha de salário, o fazendo sempre em janeiro de cada ano-calendário, de forma irretratável para todo o período.

Com a alteração introduzida pela Lei n. 13.161/2015, os arts. 7º e 8º da Lei n. 12.546/2011, que antes determinavam “contribuirão sobre a receita bruta […]”, passou a prever que “poderão contribuir sobre o valor da receita bruta […]”.

O dever de escolha do regime para a apuração da contribuição previdenciária decorre do §13, do art. 9º, da Lei n. 12.546/2011, dispositivo que permite aferir a precisa perspectiva temporal da relação jurídico-tributária existente para com a norma de incidência da CPRB, in verbis:

Art. 9º Para fins do disposto nos arts. 7º e 8º desta Lei:
[…]
§13. A opção pela tributação substitutiva prevista nos arts. 7º e 8º será manifestada mediante o pagamento da contribuição incidente sobre a receita bruta relativa a janeiro de cada ano, ou à primeira competência subsequente para a qual haja receita bruta apurada, e será irretratável para todo o ano calendário. (Incluído pela Lei nº 13.161, de 2015)

Conforme se depreende da Lei n. 12.546/2011 e alterações posteriores, a base de cálculo da CPRB, como o próprio nome sugere, é a receita bruta, cuja apuração permite determinadas exclusões, a exemplo das vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, dentre as quais, frisa-se, não consta o ICMS.

De outro lado, o Supremo Tribunal Federal assentou, quando do julgamento do tema 69 da repercussão geral, que o principal fator para a não inclusão do ICMS na base das contribuições PIS e COFINS é que o conceito de receita deve estar atrelado à incorporação ao patrimônio do contribuinte, caso contrário será mero repasse de valor ao erário em cumprimento da obrigação tributária.

O fundamento primordial desta conclusão foi a premissa de que tributo não pode ser base de cálculo de outro tributo ainda que transite financeiramente e na contabilidade do contribuinte, visto que este atua como arrecadador e repassador de uma obrigação destinada ao Poder Público, ou seja, não se incorpora ao patrimônio da pessoa jurídica.

Calha apontar excerto do voto proferido pelo Ministro Luiz Fux no julgamento do tema 69, que, ao se referir ao voto da Ministra Cármen Lúcia, esclarece, in verbis:

 

Ocorre que, conforme mencionado linhas acima, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o tema 1048 da repercussão geral, que versa sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB, firmou entendimento totalmente diverso da lógica jurídica empreendida por ocasião do julgamento do tema 69.

O caso concreto do leading case do tema 1048 decorre de ação ajuizada por uma empresa produtora de bancos de couro automotivos (Midori Auto Leather Brasil LTDA) que se insurgiu contra o acórdão de apelação do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O principal argumento da empresa recorrente é o fato de que a inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB viola o entendimento fixado pelo próprio Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do tema 69 da repercussão geral.

O Ministro Marco Aurélio, relator do recurso extraordinário leading case do tema 1048, acompanhado dos Ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Rosa Weber, votou (voto vencido) pelo provimento do recurso sugerindo a seguinte tese jurídica: “Surge incompatível, com a Constituição Federal, a inclusão do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB.”.

O fundamento adotado pelo Ministro Marco Aurélio seguiu exatamente a mesma linha do julgamento do tema 69, conforme os trechos de seu voto abaixo destacados, in verbis:

Todavia, o voto vencedor foi o do Ministro Alexandre de Moraes, que abriu divergência acompanhado dos Ministros Luiz Edson Fachin, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.

Em seus fundamentos, o Ministro Alexandre de Moraes destacou o fato de que a CPRB foi instituída como benefício fiscal para alguns setores da economia, o fazendo nos exatos seguintes termos:

 

Acerca do entendimento vertido, no sentido de que a CBRB tratar-se-ia de benefício fiscal, ousamos descordar. A facultatividade da CPRB não configura hipótese de isenção ou benefício em relação à obrigação tributária, eis que estes dois últimos se caracterizam primordialmente pela alteração da norma de incidência após sua concretude ao fato jurídico, enquanto a CPRB nasce da própria norma de incidência.

Em outras palavras, o benefício ou a isenção não alteram a regra matriz de incidência dos tributos, mas implicam efeitos após a ocorrência do antecedente e geração da consequência normativa, modificando total ou parcialmente a obrigação tributária.

Portanto, ao contrário de um benefício ou isenção, a CPRB advém da modificação do consequente da própria norma de incidência para fazer constar no critério quantitativo – base de cálculo e alíquota – outras grandezas distintas daquelas previstas na estrutura legal da incidente sobre a folha de salário.

Plausível é a comparação com a opção pelos regimes de apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, cuja base de imposição poderá ser determinada a partir do lucro real ou do lucro presumido, sem que qualquer delas seja classificável como isenção ou benefício fiscal.

Tratam-se, tão somente, de formas distintas de apuração do mesmo tributo.

Neste sentido, tanto o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – apurado com base no lucro real ou presumido – quanto a Contribuição Previdenciária – apurada sobre a receita bruta ou sobre a folha de salários – tratam-se de formas substitutivas de tributação a respeito de um mesmo tributo, uma vez que deverá o contribuinte manifestar sua opção e adotar as práticas relacionadas a cada caso.

A apuração pela receita ou pela folha de salário não altera o fato de se tratar da Contribuição Previdenciária como único tributo que é.
Isto sem esquecer de mencionar que durante um certo período, compreendido entre a instituição da CPRB no ano de 2011 (MP n. 540/2011) e 2015, com a vigência da Lei n. 13.161/2015, o regime da CPRB era obrigatório, e não facultativo.

Afora do fundamento no sentido de se assemelhar a CBRB a um benefício fiscal, as razões de decidir do voto vencedor cingiram-se a enfrentar o conceito de receita empregado pelo art. 12 do Decreto-Lei 1.598/1977, para, então, concluir que “[…] se a receita líquida compreende a receita bruta, descontados, entre outros, os tributos incidentes, significa que, contrario sensu, a receita bruta compreende os tributos sobre ela incidentes.”, como se verifica do trecho a seguir:

O voto vencedor do Ministro Alexandre de Moraes passou longe do enfretamento da interpretação do conceito constitucional de receita, tal como empreendido pelo voto vencido do Ministro Marco Aurélio. E mais, o voto vencedor se pautou veementemente na interpretação da lei infraconstitucional, e não do texto Constitucional.
Ora, se, de um lado, os valores relativos ao ICMS não pertencem ao contribuinte, como já decidiu a Suprema Corte no tema 69, justamente por se tratar de receita do Estado, como podem tais valores integrar a base de um outro tributo? Segundo a tese do voto vencedor, a lei (no caso, o art. 12 da Lei n. 12.973/2014) poderia mudar – e mudou – o conceito de receita bruta para incluir os valores de ICMS.

Além da evidente incongruência com a tese recentemente firmada por ocasião do tema 69, evidencia-se que o entendimento vertido no tema 1048, ao contrário de pacificar a controvérsia acerca da inclusão de tributo na base de cálculo de outros tributos, acaba por revelar uma insegurança jurídica perturbadora, especialmente por empregar um conceito de receita bruta com significados diferentes para diferentes tributos.

Além da tese relativa à inclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB, outras teses semelhantes aguardam o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, a exemplo do tema 118, que versa sobre a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da COFINS, e sobre o qual há uma justa expectativa dos contribuintes.

Importante registrar ainda que do acórdão do RE 1.187.264/SP, o leading case do tema 1048 da repercussão geral, ainda cabem embargos de declaração, o que deverá ocorrer especialmente porque nada se definiu acerca da modulação dos efeitos.

Destaca-se, por fim, que ainda em 2019, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça fixou a tese de que “os valores de ICMS não integram a base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), instituída pela Medida Provisória 540/2011, convertida na Lei 12.546/2011” (tema 994).

Segundo consignado no voto vencedor da Ministra Relatora do tema 994 do Superior Tribunal de Justiça, Regina Helena Costa, “[…] pela lógica do raciocínio abraçada no precedente vinculante, a inclusão do ICMS na base de cálculo de contribuição instituída no contexto de incentivo fiscal não teria, com ainda mais razão, o condão de integrar a base de cálculo de outro tributo, como quer a União em relação à CPRB, porque, uma vez mais, não representa receita do contribuinte […]”.

Assim, para que não haja uma maior insegurança jurídica, será fundamental que o Supremo Tribunal Federal decida acerca da modulação de efeitos, especialmente diante da superação da jurisprudência atualmente vigente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Infelizmente, ainda há que se mencionar na possibilidade que surge, a partir do entendimento de que o ICMS compõe a base de cálculo da CPRB, de que o Supremo Tribunal Federal considere constitucional a inclusão do ICMS na base do PIS e da COFINS após o advento da Lei 12.973/2014, o que limitaria ainda mais o direito dos contribuintes (até o ano de 2014, com a vigência da lei).


Autoria: Fernanda Macagnan
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