A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ADI 2446 E O ART. 116 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

A Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 2446, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, foi ajuizada pela Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC, e tem como objeto declarar a inconstitucionalidade do art. 1°, da Lei Complementar nº 104/2001, na parte em que acrescentou o parágrafo único do art. 116, do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamenteconstituída, nos termos de direito aplicável.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

(Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

Conforme se verifica da parte final da norma do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, a plena eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer os procedimentos a serem seguidos, a qual até hoje ainda pende de regulamentação, em que pese algumas tentativas frustradas da União (Medidas Provisórias nºs 66/2002 e 685/2015).

A norma do parágrafo único do art. 116 foi tomada como “norma geral antielisão”por parte da doutrina, enquanto a outra parte entende que a norma, na verdade, seria uma “norma antievasão”, prática que visa combater os procedimentos evasivos dos contribuintes para dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.

Na qualidade de norma antievasão, não restaria impossibilitada a prática do planejamento tributário para evitar, reduzir ou retardar o pagamento de um tributo antes da ocorrência do seu fato gerador.

Segundo a exposição de motivos 1 do Projeto de Lei Complementar – PLP n. 77/1999, que resultou na edição da Lei Complementar nº 104/2011, o objetivo da norma era o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma ou de direito, conforme se extrai:

6. A inclusão do parágrafo único ao art. 116 faz-se necessária para estabelecer, no âmbito da legislação brasileira, norma que permita a autoridade tributária desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com finalidade de elisão, constituindo-se, dessa forma, em instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma cu de direito.

Neste ponto, cumpre destacar a distinção entre a elisão fiscal e a evasão fiscal feita pela Ministra Relatora em seu voto, nos seguintes termos:

9. De se anotar que elisão fiscal difere da evasão fiscal. Enquanto na primeira há diminuição lícita dos valores tributários devidos pois o contribuinte evita relação jurídica que faria nascer obrigação tributária, na segunda, o contribuinte atua de forma a ocultar fato gerador materializado para omitir-se ao pagamento da obrigação tributária devida.

O julgamento da ADI 2446 se encerrou assentando, por maioria, a improcedência do pedido formulado, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. Não votou o Ministro André Mendonça, sucessor do Ministro Marco Aurélio, que votara em assentada anterior.

Apesar de julgar pela improcedência da ADI, o voto da Ministra Carmén Lúcia pode ser tido como favorável à prática do planejamento tributário como uma maneira legítima de minorar a carga tributária, ao menos até a regulamentação do parágrafo único do art. 116 do CTN. Isto porque restou consignado que a eficácia da norma de fato depende de lei ordinária para estabelecer os procedimentos a serem seguidos na sua aplicação.

Além disto, a Relatora entendeu que para que ocorra a desconsideração autorizada pelo dispositivo, faz-se necessária a ocorrência do fato gerador que, além de estar devidamente previsto em lei, já tenha se materializado, fazendo nascer a obrigação tributária.

Dessa forma, a desconsideração autorizada pelo dispositivo estaria limitada aos atos ou negócios jurídicos praticados com a intenção de dissimular ou ocultar o fato gerador já ocorrido. Em suas palavras:

Não se comprova também, como pretende a autora, retirar incentivo ou estabelecer proibição ao planejamento tributário das pessoas físicas ou jurídicas. A norma não proíbe o contribuinte de buscar, pelas vias legítimas e comportamentos coerentes com a ordem jurídica, economia fiscal, realizando suas atividades de forma menos onerosa,
e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada.

Segundo a Relatora, restaria hígido o art. 110 do Código Tributário Nacional, o qual não foi alterado pela Lei Complementar n. 104/2001, e assegura a observância das formas de direito privado pela legislação tributária, in verbis:

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

No mesmo sentido, também restaria hígido o art. 108 do Código Tributário Nacional, abaixo reproduzido, o qual, igualmente, não foi alterado pela Lei Complementar n. 104/2001, de forma que não resta autorizado ao agente fiscal valer-se de analogia para definir o fato gerador e, tornando-se legislador, aplicar tributo sem previsão legal, nem a socorrer-se de interpretação econômica:

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar alegislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I – a analogia;
II – os princípios gerais de direito tributário;
III – os princípios gerais de direito público;
IV – a eqüidade.
§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
§ 2º O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.

Assim, a conclusão da Relatora foi no sentido de que a norma do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional seria válida porque se limitaria ao combate de práticas ilícitas verificadas após a ocorrência do fato gerador (evasão fiscal), in verbis:

A despeito dos alegados motivos que resultaram na inclusão do parágrafo único ao art.116 do CTN, a denominação “norma antielisão” é de ser tida como inapropriada, cuidando o dispositivo de questão de norma de combate à evasão fiscal. A despeito dos alegados motivos que resultaram na inclusão do parágrafo único ao art. 116 do CTN, a denominação “norma antielisão” é de ser tida como inapropriada, cuidando o dispositivo de questão de norma de combate à evasão fiscal.
     

10. Pelo exposto, voto pela improcedência do pedido apresentado na presente ação.

A conclusão do voto da Ministra Carmén Lúcia foi acertada no sentido de reconhecer o direito de auto-organização dos contribuintes para evitar (ou reduzir, diferir) o pagamento de tributo antes do fato gerador (elisão fiscal) e a impossibilidade de o Fisco aplicar tributação mais gravosa, mediante o uso de analogia ou interpretação econômica.

Contudo, não se pode concordar com a conclusão pela constitucionalidade do dispositivo com base no fundamento de que a norma seria válida porque se limitaria ao combate de práticas ilícitas verificadas após a ocorrência do fato gerador (evasão fiscal).

Isto porque, ao atribuir à lei ordinária competência para disciplinar os procedimentos necessários à desconsideração de atos e negócios jurídicos (critérios materiais e formais), o parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, deixou de exercer a sua função (constitucional) de estabelecer normas gerais em matéria tributária:

Art. 146. Cabe à lei complementar:
[…]
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

Ademais, a conclusão pela constitucionalidade contraria também o espírito e a letra do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, os quais permitem concluir que teria sido permitido ao fisco desconsiderar os efeitos jurídicos de atos e negócios jurídicos praticados antes do fato gerador (elisão fiscal), a fim de submetê-los a regime tributário diverso do que lhes seria normalmente aplicável.

A exposição de motivos do projeto deixou explicito que “a inclusão do parágrafo único ao artigo 116 fez-se necessária para estabelecer, no âmbito da legislação brasileira, norma que permita à autoridade tributária desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de elisão, constituindo-se, dessa forma, em instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma ou de direito”;. Ao seu turno, a norma assim dispôs:

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
(Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

Em sentido contrário à conclusão da Relatora, se a norma em questão tratasse de fato de evasão, não haveria necessidade de qualquer outro procedimento além daqueles já previstos na legislação tributária para que o lançamento fosse efetuado ou revisto pela autoridade fiscal, em vista da realidade dos fatos, tal como nos casos de dolo, fraude ou simulação, figuras jurídicas amplamente conhecidas e tipificadas tanto pelo Código Tributário Nacional (arts 149, VII, 150, §4º, 154, parágrafo único, 155, I e 180, I), quanto pela legislação penal (Lei nº 8.137/1990, arts. 1º e 2º).

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
I – quando a lei assim o determine;
II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;
III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária,
a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;
IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;
V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;
VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;
VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;
IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.

Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
[…]
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Art. 154. Salvo disposição de lei em contrário, a moratória somente abrange os créditos definitivamente constituídos à data da lei ou do despacho que a conceder, ou cujo lançamento já tenha sido iniciado àquela data por ato regularmente notificado ao sujeito passivo.

Parágrafo único. A moratória não aproveita aos casos de dolo, fraude ou simulação do sujeito passivo ou do terceiro em benefício daquele.

Art. 155. A concessão da moratória em caráter individual não gera direito adquirido e será revogado de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumprira ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão do favor, cobrando-se o crédito acrescido de juros de mora:
I – com imposição da penalidade cabível, nos casos de dolo ou simulação do beneficiado, ou de terceiro em benefício daquele;

[…]

Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, não se aplicando:
I – aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo sem essa qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro em benefício daquele;

Lei nº 8.137/1990

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Nestes casos, para não incorrer em responsabilidade funcional, a autoridade administrativa deverá rever o lançamento sempre que constate que o ato ou negócio jurídico declarado pelo contribuinte não se verificou de fato:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a
verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e,
sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

Na hipótese do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, o ato ou negócio jurídico é exatamente aquele declarado pelo contribuinte, autorizando-se, no entanto, a desconsideração de seus efeitos se as circunstâncias revelarem alguma anormalidade na sua prática.

Ou seja, de um lado, o art. 149 do Código Tributário Nacional determina a revisão do lançamento para correta qualificação do fato ocorrido no mundo fenomênico mediante dolo, fraude ou simulação. De outro lado, o parágrafo único do art. 116 autoriza a alteração dos efeitos de um fato corretamente qualificado quando atos ou negócios jurídicos sejam abusivos, ou seja, utilizados para elidir um tributo que a fiscalização entenda como devido (em razão de normas aplicáveis a situações equivalentes).

Seguindo a linha de raciocínio desenvolvida pela Relatora, a função da lei ordinária seria indicar os critérios (jurídicos/ econômicos) a serem observados pela autoridade administrativa para identificar “planejamentos fiscais abusivos” e, assim, desconsiderar seus efeitos tributários, para aplicar aos fatos outro regime tributário mais gravoso.

A competência outorgada à lei ordinária (emanada pelos entes tributantes interessados) permitiria estabelecer os “procedimentos” necessários para que a autoridade fiscal possa “desconsiderar” os regulares efeitos dos atos e negócios praticados pelos contribuintes, exclusivamente para fins tributários.

Todavia, tal situação resultaria em inúmeros conflitos de competência se eventualmente a União, os 26 Estados, o Distrito Federal e os quase 6.000 municípios pudessem editar leis ordinárias adotando os critérios que bem entendessem para controlar “planejamentos tributários”, com emprego indiscriminado de figuras polissêmicas como fraude à lei, propósito negocial, abuso de formas, abuso de direito etc.

Ademais, além das situações “evasivas” contempladas no Código Tributário Nacional (dolo, fraude, simulação), a lei complementar teria de indicar em quais hipóteses a autoridade “poderá” ou não “desconsiderar” os atos e negócios jurídicos praticados pelos contribuintes e quais as consequências decorrentes, especialmente quando possa resultar alteração da competência tributária de outros entes tributantes.

A falta de critérios claros e uniformes na lei complementar poderia gerar uma grande insegurança jurídica, na medida em que cada ente poderia entender como ocorrido o fato gerador de uma maneira diferente, a partir dos critérios estabelecidos em sua respectiva legislação, possibilitando a cobrança
de tributos diferentes sobre o mesmo fato.

Por estas razoes é que o entendimento de que o Supremo Tribunal Federal deveria aprofundar mais a análise da norma do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional para esclarecer o limite da competência por ele atribuída à autoridade administrativa e também à lei ordinária, em face dos princípios constitucionais da legalidade, tipicidade e da função uniformizadora da lei complementar tributária.

Somente assim se estaria prevenindo qualquer nova tentativa de regulamentar a matéria em contrariedade aos princípios e regras constitucionais, além de finalmente pacificar a controvérsia.

Além dos 5 votos pela constitucionalidade da norma “anti-dissimulação” (que visa combater atos ou negócios praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária que até o momento não foi editada), Alexandre de Moraes, que originalmente havia acompanhado a relatora, mudou seu voto e passou a acompanhar a divergência aberta por Ricardo Lewandowski.

O voto vista divergente considerou a ação procedente e, portanto, que o fisco não poderia desconsiderar esses atos ou negócios jurídicos, sob o argumento de que tais atos e negócios jurídicos só podem ser anulados por um juiz, e não pelo fisco, in verbis:

Ora, por ser uma medida extrema e de gravosas consequências, a nulidade ou mesmo a desconsideração de atos e negócios jurídicos dissimulados, precisa sempre amoldar-se aos parâmetros e limites indicados em lei.

Não é por outra razão que o precitado parágrafo único art. 168 do referido Codex atribui a um juiz a competência de promover a referida desconsideração, por provocação da parte ou do Ministério Público, quando se constatar que os negócios jurídicos (i) aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; (ii) contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; e (iii) os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
[…]

Assim, a decisão aludida no parágrafo único do art. 116 do CTN caberá sempre a um magistrado togado, considerado o princípio da reserva de jurisdição, o qual, ao fim e ao cabo, se destina a resguardar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Com a decisão final do Supremo pela constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN, impõe-se aos contribuintes muita cautela na condução de planejamento tributário que deve ser elaborado mediante vasta documentação e comprovação de que o fato gerador ocorrido obedeceu às previsões de incidência da norma tributária e que o negócio jurídico encontra sólido amparo para ser legitimado em eventual contestação pela fiscalização fazendária.

Fernanda Macagnan